Um desafio aos leitores!!

Já que umjeitomanso.blogspot.com me «anunciou» enquanto Contadora de Histórias, vamos lá pôr-me à prova! Quem se interessar, envie-me email (diazinhos@gmail.com) ou deixe comentário num dos textos, com uma palavra ou frase que me «inspire» para um próximo texto. A ver se pega e a ver se estou à altura..

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

SMS's - II

Então...?
Que queres?
Que me digas qualquer coisa.
Já não sei que mais te hei-de dizer.
Diz-me uma coisa doce.
Gosto de ti.
É bom, mas podia ser melhor.
Gosto muito de ti.
Ainda não chega...
Queres demais.
Porque só assim é bom a sério, mesmo.
Penso em ti a cada segundo.
Bom, bem bom...
Agora já chega.
Mas ainda falta tanto!
Demais.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Num dia de Domingo

Sentou-se, abriu a boca lentamente e saiu uma longa argola de fumo. Se há coisa que sempre a atrai no acto de fumar são aqueles desenhos esvoaçantes, diáfanos, quais medusas e ainda mais quando o via fazer um coração. Coisa infantil aquela, mas a que sorria sempre. Olhava-o então, ele a fumar, ela cara virada para não sentir aquele cheiro a cigarros que tanto a incomodava.

Durante uns tempos sonhou que fumava e acordava com uma inconcebível vontade de pegar num cigarro e esfumá-lo todo num àpice. Mas, depois, o sabor dos beijos dele lembravam-na o amargo que era aquele vício quente que não despega.
Entre eles sempre um cigarro. Apesar de ele saber das asmas dela, do nariz tapado, do engolir em seco para não lhe pedir mais uma vez que deixe de fumar. E sempre a história do avô que morreu sem ar, pulmões queimados pelos tantos cigarros de tantos anos, da tosse que parecia que o ia levar a cada instante, da fraqueza em que andava já meses antes de morrer. Da despedida que não aconteceu. Do imenso que ainda queima esse adeus por dizer. Da carta que deixou ao lado do caixão - palavra feia esta, coisa feia, coisa sem jeito nem sentido - com o que devia ter dito com a mão na mão fria do avô. Mas que não conseguiu.

Ele agora vê-lhe a sombra nos olhos e no gesto, afoga a beata no copo de vinho, puxa-a para ele, encosta-a si, aperta-a, sossega-a, diz-lhe baixinho "tenho aqui uma coisa para ti", abre devagarinho a boca e ela vê sair um coração transparente, leve, esvoaçante, só para si.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A História com um título interminavelmente longo

Estou capaz de jurar que hoje às 5h30 da madrugada, em plena Lisboa, ouvi um galo a cantar. Mas como, senhores, se aqui não há mais que prédios e, na melhor das hipóteses, alguns relvados e parques infantis?

E isto porque o meu mais pequeno teima em desafiar todos os manuais e bíblias pediátriacas e, quase a chegar ao primeiro ano de vida, ainda acorda duas vezes  por noite  (se a coisa correr bem) para beber o seu leite. E isto já passando à frente das três semanas em que teve que beber o seu referido leite à colher - sim, é verdade, ao que uma pessoa pode chegar - por ter ganho uma inexplicável e, a meu ver, infundada aversão ao biberon. Agora, de repentemente, reconquistou-o, sabe-se lá como nem porquê; mas eu ando a agradecer efusiva,entusiática e frequentemente a todos os santinhos pelo facto - consumado.

Mas então que Eu ouvi um ga-a-aliiiinhoooo as 5h30 da madrugada (isto assim até quase que dava uma cantiga) e fiquei entre o espantada e o siderada. E enternecida, para dizer a verdade. Coisa misteriosa e sem aparente justifição, ao fim dos 10 anos em que já estou nesta casa, de repente dar com fauna campestre assim tão perto.

Se calhar alguém se lembrou de pôr um galo na marquise (será?), quem sabe se não por causa da crise (será?), talvez o galo todo dia fugindo gritando «ai cuidado não me pise!» (será?) que isto de viver num apartamento é coisa apertada, com falta de largueza, com falta de ar.
Como a bolacha maria da praxe, decido-me por mais outra porque já não posso com toda a gente a dizer-me que estou muito magra, que até estou, corro a enfiar-me na cama, puxo os 4 edredons e 11 cobertores, porque são tempos gelados estes e ponho-me sossegadinha a ver se o mais pequeno não se lembra de vir outra vez com a sua chantagem emocional-o-psicológica-o-tortural a obrigar-me a deitá-lo ao meu lado, na minha almofada, no meu abraço, e a fazer-me acordar de 30 em 30 minutos com mil formigas rabigas (o que será isto de ser rabiga? Não faço ideia, mas soa-me a coisa que não me importava de ser) a subirem-me braço acima e a descerem-me braço abaixo num corropio.

Mas então que faço uma coisa muito mais inteligente do que sossegar e pôr-me a dormir as poucas horas de sono que ainda me restam para hoje. Ponho-me a escrever. E, se não tivesse a minha sra.dona racionalidade a buzinar-me nos ouvidos vai para mais de 30 minutos, ainda deixaria sair mais e mais destas palavras que se me brotam de dentro para fora, até me esvaziar e assim ficar mais leve para adormecer. 

Mas fico-me pela curta história do galo que acordou cedo, algures no meio de tanto cimento e betão, espantou-se e fez-se ouvir, perguntando-nos alto e bom som «Mas que será que estou aqui a fazer..?» e nós a encolhermos os ombros, virarmo-nos para o lado e a, finalmente, adormecer.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

História pedida 24 (por Marta M. com o título:): Life Changes

Venho dizer-vos que me vou embora. Vou sair daqui. Vou mudar.
Vou mudar tudo. O cabelo, a roupa, os dias e até as horas. Vou mudar de sítio, de casa, de país.
Vou mudar o que fazia, vou mudar o que vivia, vou mudar o tudo que era eu.
Vou com o meu amor, com as minhas crianças, com os sonhos de um mundo diferente. Com a vontade de aventura. De não ser a mesma, de descobrir uma nova Eu.
Vou-me embora para outros ventos, outras gentes, outros cheiros.
Vou-me embora para um novo caminho que não sei onde me levará.
E que bom que isso é. Um caminho que me leva para longe desta vida desapaixonada que nos vai consumindo os instantes, as emoções e o respirar. Longe deste ser igual aos outros, deste caminho já conhecido, deste tempo fugidio.
Vou ver os meus meninos a crescerem em liberdade, com ar e sem fronteiras, a pertencerem ao que sentem, a quererem um pouco mais, a saberem muito mais.
Vou à procura do sonho por inventar, das cantigas das crianças na sombra das àrvores dos meus novos dias.
Vou à procura sem ter que procurar.
Vou apenas. Vou.
Não quero despedidas, nem lágrimas, nem abraços que agarram.
Quero apenas ir. Para, quem sabe, um dia voltar.


A desejar à minha querida Marta a maior sorte e felicidade na sua aventura.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Cantiga do suspiro

Um sopro, breve, fugidio, solto.
Um vento que me correu por dentro, louco
numa ansia de voar.
Uma dança de quem não quer parar,
um braço estendido, um arrepio de quem esqueceu respirar.
Uma perdição sem me perder,
um gesto gasto em prazer.
Um pedaço de nós que se soltou,
fez-se ao mundo, ganhou vontade, voou.
A sombra na janela fez-me parar,
encho a alma e o peito,
vou recomeçar.
Não sei que foi que me deu,
mas sei que no fundo deste suspiro tudo é meu.

domingo, 15 de janeiro de 2012

HIstória pedida 23 (por Anónimo, com título:) O menino de sua mãe

Alexandrina teve cinco filhos. Todos eles homens.
Foi tentando, tentando e desistiu ao quinto rapaz. Não teria a menina cheia de laçarotes e vestidinhos mimosos. Assim, o quinto rapaz andou de roupa folhada, aprumada, cabelinho penteadinho em cachos, fofos bonecos de peluche e outras mimosices que tal.
Claro que cresceu no colo da mãe e no escárnio dos irmãos e da vizinhança.
Contra todas as expectativas fez-se muito homem e muito macho, capaz de fazer frente a qualquer grupo de meliantes mal intencionados ou até rufias malandrões. Mantinha era aquele primor no vestir, no pentear e até uma certa dengosidade no falar. Perfeito, diria a mãe, em jeito de desculpa por tantos anos a fazer dele a filha-boneca que não chegara a ter.
O pai, depois de tantos anos de consentimento calado, cada vez que via o filho ajeitar com a ponta do dedo o caracolinho maroto para trás da orelha, dizia-lhe em surdina: «Tu amaricaste-me o miúdo Alexandrina, ai amaricaste, amaricaste!»
Mas depois sossegavam quando o viam andar pelo talho, negócio da familia, a pôr os empregados na ordem cada vez que se demoravam mais num cigarro ou deixavam uma freguesa por atender: «Oh Ramiro, tu vê lá se queres mas é uma chapadona nas ventas à portuguesa qu'é p'ra veres o qu'é bom p'ra tosse!».
E aí suspiravam de alívio, em uníssono, perante a voz grossa e possante e esqueciam o avental impecavelmente branco e a cheirar a àgua de colónia.
Todas as dúvidas se dissiparam no dia em que o rapaz se filiou na claque dos Super-Dragões, do FêCêPê do seu coração. Agora o pai mostrava a todos, orgulhoso, as fotografias nos jornais com o seu filho a encabeçar aquela malta viril e enraivecida:  «Isto é que é um homem com H maiúsculo, o meu rapaz!»
A mãe contorcia-se, mordia-se, rangia-se para não confessar que ainda no outro dia tinha visto o seu menino a sair pela porta dos fundos, de mão dada com o Marcelino da retrosaria, a quem todos chamam jocosamente de Madame Marcela.
É deixá-los estar, pensava. Amanhã é dia de jogo no Dragão e o meu menino lá vai comandar as suas tropas, de pelos de peito de fora e caracolinho bem penteado. E viva o futebol!

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Um dia

Um dia hás-de contar-me de ti.
E promete-me que vai ser sem invenções, malabarismos, nem desejos mal disfarçados.
E diz-me que vais ser tu do princípio ao fim, sem máscaras, sem quereres mais que os quereres que são naturalmente teus, sem véus, sem outros que não tu dentro de ti.
Nesse dia que me contares assim tudo, mesmo tudo, vou pousar a minha mão em cima da tua, da tua perna ou do teu cabelo e vais perceber afinal que quem mais sabe de ti sou eu. Porque tu me deste esse mistério desvendado, porque me deixaste entrar assim tanto em ti.
Nesse dia nem vou deixar a porta aberta, para mais ninguém poder entrar.
Vou querer-te toda tu só para mim, toda tu, toda nua de tudo que não tu, despida e arrepiada na minha frente para eu te poder olhar. E ver. E ouvir. E sentir. Tu, toda tu, toda minha. 
E então vou dar-te o abraço mais perfeito, dizer-te as palavras mais ternas, levar-te dentro de mim para sempre, para sempre e sempre, tu, toda tu, toda minha, bem apertada no mais fundo de mim.
Esse dia vai chegar um dia e não me faças esse abanar de cabeça a dizer-me que não,  porque eu sei que um dia vai ser esse dia em que finalmente te vou ter toda para mim e eu vou enlaçar-te, vou prender-te e tu, toda tu, toda minha, não vais desaparecer mais assim.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

No teu colo

Fica.
Onde?
Aqui.
Aqui, assim?
Sim, assim. Exactamente assim.
E para quê?
Para encostar o meu corpo ao teu, mais nada.
Tudo bem. Mas vai demorar muito?
O quê?
Essa tua vontade.
Depende.
Do quê?
De ti.
Como assim?
Pode ser que me faças ter ainda mais vontade de ti.
E como é que eu faço isso?
Quando olhas para mim assim, por exemplo.
E mais?
Quando me apertas assim, por exemplo.
E já chega?
Sim, mas se puderes fica só mais um bocadinho.
Então?
É que agora é a promessa de ti que me está a prender ainda mais.
Tudo bem, eu fico mais um bocadinho.
Perfeito.

E encaixou-se de mansinho no colo dele.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

História pedida 22 (por UmJeitoManso, excerto de poema de Ricardo Reis): Violetas em flôr

"Vem sentar-te comigo Lídia, à beira rio?" "Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos / se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias / mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro / ouvindo correr o rio e vendo-o." Ricardo Reis

À beira do rio nacem
bioletas ao cumprido,
já me bieram dijer
que querias cajar comigo

As moças ainda se ouviam lá ao longe, enquanto os dois se entretinham a encontrar-se. Nos olhos, nos cheiros, na pele e nas mãos um do outro. Os dois muito morenos, ela bem bonitinha, rosadinha, carnudinha; ele bem robusto, rijo, forte como todo homem da terra deve ser.
Era dia de lavar a roupa nas lajes do ribeiro e as moças subiam as saias acima dos joelhos para não se encharcarem. Sabiam que os rapazes as espreitavam no cimo da ponte de pedra - romana, diz o Ti Amilcar coçando a longa barba - e nestes dias os cabelos apareciam mais escovados e os vestidos mais cavados.

Mas eles os dois conseguiram perder-se dos outros, tal como ele pedira no papel sujo que lhe entregara na fila para a comunhão no domingo. Ouviam as moças a cantar, a roupa a ser torcida e estendida e até lhes chegava o cheiro a sabão, mas estavam num canto, num momento só seu.

"Que estás a fazer?", perguntou-lhe sentindo o olhar dele desaparecido para dentro da sua pele.
"Estou a conhecer os cantos à casa".
Ela sorriu porque isso lhe pareceu coisa solene, séria, coisa que parecia antever um futuro bem prolongado.
Os pés molhados pelo ribeiro, tocavam-se dentro de água, a mão na mão, o sorriso de um no rosto do outro.
O suspiro do prazer mais puro e sentido.

"Casa comigo Lídia"
"Não estás a falar a sério Juca. Não se brinca com essas coisas."
"Não estou a brincar. Quero-te para mim. Quero poder gritar a todos, lá do alto daquela ponte tão velha, que és minha, a tua voz que canta tão doce é minha, os teus olhos escuros são meus, as tuas ancas redondas são para mim, as tuas pernas frias, molhadas quem as beija sou eu".

Inclinou-se e beijou-lhe a ponta do nariz rosado.
E ela disse Sim.