Quando ela era ela, pouco ou nada a parava. Era vento e era sol, era riso e era silêncio.
Quando ela era ela, tudo era simples e descomplicado, tudo era à flor da pele e arrepio na barriga.
Quando ela era ela não havia horas para dormir, não havia sequer dormir se preciso fosse, não havia tempo para pensar.
Ela era muito, era tudo e queria provar o tanto que tinham andado a esconder-lhe. Fórmula perigosa esta, equação que tem tudo para magoar.
Quando ela se descobriu ela, não havia limites nem senão. Havia passarinho fora da gaiola com vontade de voar até querer: tudo era apetite, força desatinada, vontades de crescer. Voraz, infinitamente voraz.
Ela era dança até nascer o sol, era cantoria num palco acabado de acontecer, era viagens sem mapa nem dia para chegar, era fogo, terra, sol e ar. Era passeios à chuva, risadas ao vento, brisa no sol a escaldar, silêncios e vontades de gritar. Ela era deslizar na neve mais alta e era um caminho sozinha no alentejo sem fim.
Quando ela era ela, ainda não sabia da eterna balança entre o deve e o haver, o temer e o querer, o sossego e o destravar. Houve um preço a pagar e isso está gravado na pele e por dentro; não há cicatriz, mas sabe dizer exactamente cada milímetro onde fez doer.
Ela ainda aí anda, latente, perene, sempre a espreitar. Quem sabe se ainda a deixo voltar-se a desassossegar.
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