Faço o caminho de pedra até à beira da ribanceira. Gosto de estar aqui. Gosto muito de estar aqui. O ar frio queima as narinas e acorda todos os sentidos, um a um, sacudindo a noite bem dormida.
Deixo os olhos habituarem-se de va gar à luz da manhã e seguirem a linha sem fim. O vale, as árvores, as flores e o rio lá em baixo. O urso puxa-me pela roupa, como só ele sabe, porque quer seguir caminho.
Já não há neve e agora até prefiro assim. Encontro-me em estado semi-permanente de calmaria e sossego e de longas horas a escrever a minha história - literal e alegoricamente. Foi o melhor que fiz. Deixei as luzes da cidade, as confusões de todos os dias, o telefone que só toca, os mil problemas mil que teimam em perpetuar-se. Fugi para aqui e para as páginas em branco - literal ou metaforicamente.
No topo do mundo o tempo pára, os ciclos sucedem-se devagar.
O urso sorri para mim. Não é invenção, o meu urso-cão ri-se para mim de todas as vezes que me vê.
Voltamos para a casa de pedra escura onde estás tu acabado de acordar. Cobras-me ter acordado sozinho, mas puxas-me para um abraço demorado. (todos os nossos abraços são na medida perfeita e quero-os sempre assim)
Nunca to disse, mas desde que te vi pela primeira vez deste jeito - calças vestidas, peito descoberto, camisola ao ombro - soube que serias perdição sem tempo para acabar. Não interessa se estamos no meio da confusão, se estamos neste sossego: a coisa dá-se.
Venho consolada cá para cima. A grande janela de madeira vigia a montanha e as tuas brincadeiras com o ursinho lá fora. Sei que os meninos estão bem e sei que há tempo para tudo o que tem de ser.
Faça-se silêncio, está na hora de começar.
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