Um desafio aos leitores!!

Já que umjeitomanso.blogspot.com me «anunciou» enquanto Contadora de Histórias, vamos lá pôr-me à prova! Quem se interessar, envie-me email (diazinhos@gmail.com) ou deixe comentário num dos textos, com uma palavra ou frase que me «inspire» para um próximo texto. A ver se pega e a ver se estou à altura..

domingo, 31 de agosto de 2014

Agosto na praia dos Pescadores

Prenderam-me a atenção: ela sentada no barco, arrastado pela areia à força de um tractor velho demais para ainda andar na arte, ele a acompanhar o barco, de sorriso no sorriso dela, a mão pousada sobre a dela, os dois assim sem palavras, só o vento a levar-lhe o cabelo para os olhos - a ela - e a encher-lhe os olhos claros de lágrimas - a ele. À volta a confusão de todos os dias, os gritos possantes, as gargalhadas frondosas, o palavreado que fere os ouvidos dos lisboetas que só ali vão de passeio, a cantoria das mulheres, fortes e cheias, de peito pesado e mãos ligeiras.

O barco baptizado de «Até que Enfim» desliza na areia como num rio espelhado e as redes seguem-nos carregadas de peixe luzidio. Ele segura-a num salto leve e um riso feliz enche a praia. Logo um pescador de voz grossa o chama de chapão, que se deixasse de parvoíces e fosse puxar as redes. Tudo isto bem regado de palavras impossíves de transcrever. O sorriso dela cai devagarinho na areia e o rapaz lá salta para o meio da confusão, tronco nú, queimado e musculado, pele grossa do sol e sal.

(A história deles não ma contaram por palavras, ninguém se abeirou de mim e me disse das suas razões - pena que tenho, porque se há coisa que gosto é que me contem histórias, me encham de sorrisos de outras vidas, me mostrem mundos outros que não o meu - mas a história destes dois fui sabendo nas minhas tardes de Verão na Costa, ali bem perto de casa e ao mesmo tempo tão longe de tudo.)

Susana chegara há pouco para o Agosto em Portugal. A velha história daqueles que fogem da vida difícil à procura de qualquer coisa melhor lá fora. Em França, perfeito cliché, claro está. Ela não tem mais que 20 anos, mas a ele só o sorriso de menino o trai, porque o corpo e o passo pesado dão-lhe duas vezes mais idade. Joaquim. Quim dos Anzóis, como chamam os mais novos ao vê-lo passar com as galochas ensopadas e o cabelo loiro num desalinho. Loiro daquele amarelo queimado pelo sol, rebelde e àspero, tão diferente do cabelo de Susana que liso se cola ao vento, castanho e sem história.

(Agora para conseguirem ver esta história com a luz que eu a vejo, têm que lembrar-se das tardes ventosas deste Agosto, das pessoas fugidias ou enfiadas nos seus chapéus e toalhas, e mesmo da doçura deste Verão que não sufoca e nos deixa mais despertos para as histórias que nos rodeiam. Pelo menos é o que me acontece a mim. Gosto do vento na cara, inspiro-o com força, encho-me e crio reservas desse fresco e caminho ate à pontinha do mar, até estas ondas carregadas dos últimos dias e deixo os salpicos pintarem-me as pernas secas e encherem-me de um arrepio bom.)

À noite há sempre conversa e música ali na casa da Tia Arminda, todos cá fora, cadeiras de plástico, um rádio com música a passar, um dos velhos mais bebido puxa uma das avós para dançar, a risota, a simplicidade dos momentos bons naquelas vidas duras que marcam o corpo e vincam a pele. Joaquim e Susana bem perto um do outro, as mãos que se tocam quando ele lhe passa uma Fanta, o sorriso dela que se esconde do olhar dos avós. Tudo fica ainda mais doce enquanto o sol poisa ao de leve no mar enraivecido.

Estou ali por perto, numa tasca improvisada com chapéus de uma marca qualquer de cerveja, enquanto me derreto num gelado bem doce. A minha companhia momentaneamnte silenciosa deixa-me aproveitar para ouvir a conversa de duas mulheres de cabelo branco revolto e mãos rudes como homens. «Isto já dura há muito, bem sabes. Não te lembras que em miúdos não se largavam? E no dia em que a Suse se foi, gaiata ainda, não tinha mais que uns 12 anitos mal amanhados, ele foi atrás do carro até lá ao cimo da rua, ficou muito tempo parado, a olhar, mãos nos bolsos e nem uma palavra, nem um gesto, nada. E assim se ficou calado, até ao Verão seguinte em que ela veio de férias. E assim tem sido sempre. Este meu neto é de ideias bem feitas, já te digo. Estou farta de avisá-lo para esquecer o raio da moça, vai haver um Verão que já não volta, fica agarrada de vez a um finório lá na França e depois fica-me aqui o rapaz calado para sempre». A outra ri-se «Até parece que não te lembras como era no nosso tempo...o Agosto era sempre uma galhofa, tantas histórias para contar...». Rio-me com elas. E vejo aqueles dois, lá ao fundo, no vão de uma escada, os corpos encostados e as mãos dele a apertarem-na no ar.

No próximo Verão hei-de cá voltar. Em Agosto ninguém me vai tirar a Praia dos Pescadores. Quero saber destes dois e em que fica esta história. Se o barco passar vazio no areal, o Joaquim mudo e orfão do seu sorriso de menino, salto ligeira para o «Até que Enfim» - esquecida dos tantos anos e mundos que nos separam - e dou-lhe o meu melhor sorriso à espera que a sua mão me venha agarrar. Pelo menos, até Agosto acabar.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Regressos

Vá desafiem-me, ponham e disponham de mim, piquem-me, façam-me acordar. Levem-me de volta ao prazer da palavra escrita, da minha imaginação que se deixa ir ao encontro da vossa vontade, das minhas histórias que letra-a-letra nos unem por alguns instantes. Levem-me a inventar-vos um conto, uma ideia, um pequeno começo-meio-fim, levem-me a conhecer-vos sem vos ter ao lado, levem-me para aquele sítio em que sou tão feliz, com uma caneta imaginária na boca, os olhos fechados e um caderno meio cheio apertado no meu colo. Vamos lá, vamos pôr-me à prova, saber se ainda por aqui andam as tantas histórias que me enchem os dias de todos os dias, as histórias de todos nós, os episódios que nos fazem crescer e avançar de novo. Vamos encontrar, uma e outra vez, estas histórias que andam pululando por aqui à minha beira, prontas, prontinhas para saltarem cá para fora. A escrita, mais que um prazer é uma necessidade. Vamos lá.