Um desafio aos leitores!!

Já que umjeitomanso.blogspot.com me «anunciou» enquanto Contadora de Histórias, vamos lá pôr-me à prova! Quem se interessar, envie-me email (diazinhos@gmail.com) ou deixe comentário num dos textos, com uma palavra ou frase que me «inspire» para um próximo texto. A ver se pega e a ver se estou à altura..

domingo, 19 de março de 2023

Viagem a Bellaudiére

Há sempre muito que fica por dizer.
Por mais que tenha perdido o crivo e a vontade de calar, resta um espaço meio obscuro que guarda, sem querer, as palavras que mais pesam.
O exercício de libertação em contínuo que vim a descobrir, ainda não está completo. Provavelmente nunca chegará a estar e talvez seja mesmo assim.

Ele lê-me como ninguém; às vezes até antes de eu pressentir que alguma coisa cá dentro não está a funcionar como deve ser, já ele está a dizer-mo.
Tento deixar cair o que mais custa, seguir solta, mas sei, bem sei, que apesar de toda a ligeireza e cantarolices, resta ali um qualquer medo que ainda faz sentir que é preciso proteger(me).
Às vezes a vontade de fugir para o sítio mais bonito do mundo é força que me faz oscilar, entre o ir e o ficar, entre o deve e o querer.

Em Grasse moram a casa mais linda, os cheiros, a paisagem e as pessoas que mais me fazem sorrir de fora para dentro. Só lá passei dois Verões, mas era lá que eu queria estar neste micro-instante.

O cheiro a alfazema está em cada canto e dobra de lençol, está ao nascer do dia quando abro as portadas de madeira e está nas noites passadas no pátio ao luar. Lá sei que tudo mudava, porque tudo mudou sempre ao primeiro passo na casa que se debruça sobre o vale de todos os verdes e sobre o Mediterraneo azul turquesa.
Lá sou leve, cristalina, o mundo corre ligeiro e o tempo passa mais devagar, muito mais devagar.
Gostava de levá-lo a ele lá, pela mão, pelo menos um Verão de cada vez. E aos meninos também. E aos nossos e às amigas-irmãs que andam a ver-me crescer. 

A linda casa que cheira a Verão, e onde até o ar é mais fácil de respirar, será sempre colo e recomeço.

Fecho os olhos, inspiro fundo, consigo num segundo ir até à Bellaudiére.
Ele está na cama fresca, moreno, de corpo salgado e eu levanto-me para deixar o sol entrar.  Somos feitos de risos e somos feitos de corpo a ondular numa música só nossa, meio frenética, meio balanço.
Acabam-se as palavras que pesam e entra luz em cada recanto que teimo em calar. E assim, finalmente, não ficará nada por dizer e serei gentil alfazema com sabor a mar.







domingo, 12 de março de 2023

A menina dança?

Os dias andam cheios, intensos.
Bem sei que fui eu quem se queixou dos tempos mornos, quem ansiou por mais. Mas também fui quem se fechou na bolha do silêncio, acreditando que viria daí a cura para tudo. Contradição em permanência e exercício infinito de paciência ao maior santo: eis-me em toda a minha ambivalência e sacrilégio constante.
Depois dos tempos em suspenso, tudo se desdobra e multiplica em incontáveis variáveis, múltiplos imparáveis que não cessam de deslumbrar-me.

Eu bem disse que ela andava aí à espreita, oscilando.

Tenho vontade de ir dançar, vontade de encher-me de música por dentro e deixar o tempo fluir num encontro de corpos embalados num tom maior. Não sei se é festejo ou celebração, se é refúgio ou fuga temporária, mas sobe por mim a vontade de soltar o ritmo e o infindável encantamento de uma música sentida a dois.. ou a vinte.

Há um bom motivo para a festa: a clara certeza de uma verdade tantas vezes escutada e lida, que se torna tatuagem cravada, bem fundo, pelo tempo e guerras vividas até aqui chegar -- O Amor é Raro, Aproveite*. E as raridades devem ser levadas no colo, entre braços e abraços. É esta a terna certeza que dá vontade (esperança..?) do caminho. Tudo se resolve, dizes tu. Seja.

Mais uma razão para a celebração: ouvir de outro alguém, l e t r a   a   l e t r a , uma dor que nos vinha acompanhando, tão funda que não sabemos como verbalizar  -- há lá dor pior que a da injustiça perpetuada..? Arrumada na gaveta, mais uma, como tenho dito de tantas outras. Se dói e não podes acalmar, arruma na gaveta, sejam gavetas fechadas a sete chaves ou outras tantas entreabertas, mas de alguma forma arrumadas.
É como se tivessem deitado um braço inteiro para dentro de mim --- abra a boca, diga Ahhhh, língua para baixo, fique quieta para chegar lá ao fundo - e vasculhando bem nas profundezas, trouxessem à luz do dia aquele nó escuro que assim se desfez. Verdade, assim, por magia, por sabedoria, por simplicidade, botou a mão dentro de mim, tacteou no fundo, agarrou, trouxe cá para fora, deu-lhe um nome e ele assim desapareceu. Já nem interessa se a causa se evaporou (condensou, diria um dos meus meninos), se andará ainda a pairar; só interessa que alguém o viu lá escondido nas profundezas do que sou, pescou, nomeou e assim libertou-o. Correcção: libertou-Me.

Os dias andam cheios, intensos, com muita ternura dos meus, o amor raro e a sensação de haver muito de bom à espreita para acontecer. Já não falta tudo e tudo se resolve, diz ele. Vamos ver, seguimos caminho e, já agora, fazemo-lo a dançar?                                                                 
                                                                                                                                                        *de Caio Abreu.

Put you Records On -- Corinne Bailey Rae

Three little birds sat on my window
And they told me I don't need to worry
Summer came like cinnamon, so sweet
Little girls, double-dutch on the concrete

Maybe sometimes we got it wrong, but it's all right
The more things seems to change, the more they stay the same
Ooh, don't you hesitate
Girl, put your records on, tell me your favorite song
You go ahead, let your hair down
Sapphire and faded jeans
I hope you get your dreams
Just go ahead, let your hair down
You're gonna find yourself somewhere, somehow

Blue as the sky, sunburnt and lonely
Sipping tea in a bar by the road side
(Just relax, just relax)
Don't you let those other boys fool you
Gotta love that Afro hairdo

Maybe sometimes we feel afraid, but it's all right
The more you stay the same, the more they seem to change
Don't you think it's strange?
You go ahead, let your hair down
Sapphire and faded jeans
I hope you get your dreams
Just go ahead, let your hair down
You're gonna find yourself somewhere, somehow
Pity for pity's sake
Some nights kept me awake
I thought that I was stronger
When you gonna realize that you don't even have to try any longer?
Do what you want to


quinta-feira, 9 de março de 2023

Discurso directo (com um obrigada dentro)

Fazemos o caminho?

Fazemos o caminho. Continuamos.

Mesmo sem saber o destino?

Mesmo sem saber quase nada.

Mão na mão?

Mão na mão e dentro de um abraço.

Não te assusta?

Assusta pois.

E mesmo assim...?

E mesmo assim.

Vamos?

Anda.








segunda-feira, 6 de março de 2023

Dores de crescimento

Quando ela era ela, pouco ou nada a parava. Era vento e era sol, era riso e era silêncio.
Quando ela era ela, tudo era simples e descomplicado, tudo era à flor da pele e arrepio na barriga.
Quando ela era ela não havia horas para dormir, não havia sequer dormir se preciso fosse, não havia tempo para pensar.

Ela era muito, era tudo e queria provar o tanto que tinham andado a esconder-lhe. Fórmula perigosa esta, equação que tem tudo para magoar.

Quando ela se descobriu ela, não havia limites nem senão. Havia passarinho fora da gaiola com vontade de voar até querer: tudo era apetite, força desatinada, vontades de crescer. Voraz, infinitamente voraz.

Ela era dança até nascer o sol, era cantoria num palco acabado de acontecer, era viagens sem mapa nem dia para chegar, era fogo, terra, sol e ar. Era passeios à chuva, risadas ao vento, brisa no sol a escaldar, silêncios e vontades de gritar. Ela era deslizar na neve mais alta e era um caminho sozinha no alentejo sem fim.

Quando ela era ela, ainda não sabia da eterna balança entre o deve e o haver, o temer e o querer, o sossego e o destravar. Houve um preço a pagar e isso está gravado na pele e por dentro; não há cicatriz, mas sabe dizer exactamente cada milímetro onde fez doer. 

Ela ainda aí anda, latente, perene, sempre a espreitar. Quem sabe se ainda a deixo voltar-se a desassossegar.




domingo, 5 de março de 2023

Coisa simples

Disse-lhe que podíamos fazer um bolo. Foi o que disse, mas não foi o que pensei e ele sabe-o bem demais.
Mas até podia ser. Fazíamos um bolo entre abraços e sorrisos, entre arrepios e desejos.
Mas também pode ser um jantar, um filme, um passeio de mota, um gelado de mãos dadas, um colo sem tempo a contar.
Pode ser passearmos num abraço à beira rio, ou gargalhadas numa mesa cheia de amigos. Pode ser um museu dos meus, pode ser um jardim num dia de sol, podem ser meiguices entre os nossos.
Mas também pode ser um concerto em uníssono, um cigarro a iluminar a noite ou uma viagem a dois sem destino marcado.
E pode ser um mergulho no mar, ou ficarmos enrolados na piscina ou até no sol a queimar. Pode ser levar-me pela mão ao fim do dia e pode ser ficarmos em silêncio num sítio nosso.
Pode ser um abraço de peito colado, podem ser infinitos beijos no canto da orelha. Pode ser pele com pele, pode ser gemido em desatino.
Podem ser conversas de horas agarrados na varanda e podem ser medos partilhados com vontade de sossegar.
Mas também pode ser um chupa-chupa bem melado, ou um beijo tão perfeito como todos os que conseguimos roubar.
Lá está, não sou esquisita, com ele sou básica e fácil de agradar. Pode ser o que ele quiser, pode ser quando ele quiser -- mas vou pedir para não demorar.



quarta-feira, 1 de março de 2023

WishList

Saio de mãos geladas encostadas ao peito, inspiro o frio. O sol na pele sabe bem, mas sabe ainda melhor com o ar cortante da manhã. Vou pisando a erva molhada e oiço o silêncio da montanha. O cão-urso segue à minha frente, feliz por estarmos ali os dois. 
Faço o caminho de pedra até à beira da ribanceira. Gosto de estar aqui. Gosto muito de estar aqui. O ar frio queima as narinas e acorda todos os sentidos, um a um, sacudindo a noite bem dormida.
Deixo os olhos habituarem-se   de va gar   à luz da manhã e seguirem a linha sem fim. O vale, as árvores, as flores e o rio lá em baixo. O urso puxa-me pela roupa, como só ele sabe, porque quer seguir caminho. 
Já não há neve e agora até prefiro assim. Encontro-me em estado semi-permanente de calmaria e sossego e de longas horas a escrever a minha história - literal e alegoricamente. Foi o melhor que fiz. Deixei as luzes da cidade, as confusões de todos os dias, o telefone que só toca, os mil problemas mil que teimam em perpetuar-se. Fugi para aqui e para as páginas em branco - literal ou metaforicamente.  
No topo do mundo o tempo pára, os ciclos sucedem-se devagar. 

O urso sorri para mim. Não é invenção, o meu urso-cão ri-se para mim de todas as vezes que me vê.

Voltamos para a casa de pedra escura onde estás tu acabado de acordar. Cobras-me ter acordado sozinho, mas puxas-me para um abraço demorado. (todos os nossos abraços são na medida perfeita e quero-os sempre assim)
Nunca to disse, mas desde que te vi pela primeira vez deste jeito - calças vestidas, peito descoberto, camisola ao ombro - soube que serias perdição sem tempo para acabar. Não interessa se estamos no meio da confusão, se estamos neste sossego: a coisa dá-se.
Venho consolada cá para cima. A grande janela de madeira vigia a montanha e as tuas brincadeiras com o ursinho lá fora. Sei que os meninos estão bem e sei que há tempo para tudo o que tem de ser.

Faça-se silêncio, está na hora de começar.