Um desafio aos leitores!!

Já que umjeitomanso.blogspot.com me «anunciou» enquanto Contadora de Histórias, vamos lá pôr-me à prova! Quem se interessar, envie-me email (diazinhos@gmail.com) ou deixe comentário num dos textos, com uma palavra ou frase que me «inspire» para um próximo texto. A ver se pega e a ver se estou à altura..

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Boca de Cena

Eu, tu, nós dois.
A sala vazia, a porta fechada. O eco dos outros ainda nas paredes, no chão, nas cadeiras abandonadas. Ali fizeram-se sonhos, criaram-se vidas.
Agora o palco é nosso, só nosso, já não estamos a actuar, ja não estamos a fingir, já somos nós no chão de madeira escura. As roupas ainda não são as nossas, mas a pele sim. O cheiro, sim. Despidos de outros, a sentirmo-nos só assim. No silêncio, no tempo que parou.
Chegas-te a mim. Chego-me a ti e deixo-me ir. O corpo na tua frente, o olhar dentro do teu. A minha mão que anseia pela tua.
Se soubesses tudo o que tenho para te dizer agora, fugirias de mim, eu sei.
Respiro fundo, ganho novo fôlego, as vozes dos outros que aqui estavam, ainda ecoam dentro de mim.
Tu à minha frente - expectante? ansioso? - e nós nada. Ou melhor, e eu nada.
Vejo-te a sorrir de dentro para fora de ti. Calado nos meus olhos.
As letras redondas juntam-se na minha língua, na minha boca, em mim toda.
Encho o peito de ar, olho-te, respiro-te. Coragem, chegou a hora. Sorrio.
«Amo-te».

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Ano Novo

Hora de arrumar os tachos, as panelas, a cafeteira e a colher de pau. 
É tempo de esfregar a pedra da bancada, puxar-lhe o brilho, o cheiro, deixá-la como no primeiro dia. Seguem-se as espátulas, os rolos, as formas, os tabuleiros. Não nos esqueçamos dos panos, pegas e trapos. 
E depois chega a hora de aproveitar.
O cheiro a pão quente e a bolo no forno enchem a casa tão vazia. A manteiga pronta a derreter no miolo mole e branco, a chávena a ferver com o chocolate. As cadeiras arrastadas, a mesa posta e reposta, os guardanapos de pano geometricamente dobrados, a marmelada bem doce que ate parece gemer. De prazer.
Os copos enchem-se de cor com o sol que passa nas cortinas de linho, os talheres repousam expectantes. O friso de florinhas rosa que se espreguiça nos pratos parece chamar-nos para a mesa.
Calma, aguardemos, não tardam a chegar.
O cuco do relógio ja avisou, estão quase a chegar, estão quase a chegar.
Não tarda vou estar perdida nos seus abraços, risos e graças que não entendo, a correr entre o forno e a mesa, o pão e os pequeninos, entre a vontade de os aproveitar e o querer dar-lhes tudo e mais ainda. Estão quase a chegar os meus meninos, os meninos dos meus meninos e agora tambem os mais pequeninos. 
E eu perdida a querer todos, a saber de todos, a tocar todos, a olhar-lhes bem nos olhos a ver por onde andam. 
Mas as horas são curtas, têm as suas vidas, o seu próprio tempo, o seu ritmo corrido e não tarda lá se vão de volta, deixando as cadeiras vazias e migalhas por todo lado. 
Mas sei que daqui a um ano reggressam, no primeiro dia de cada novo ano voltam para ver-me, para calarem as saudades dos lanches da avó Rute, para me agarrarem a correr, me sorrirem a cada palavra, me dizerem da vida que lhes foge pelo relógio. 
Deixem aprontar-me, esta tudo no devido lugar. Ja os oiço no portão lá fora, os meus queridos meninos acabaram de chegar.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Noite de Natal

Os dois, lado a lado, olhando o menino. As mãos tocavam-se sem se enlearem, os corpos encostavam-se sem se encaixarem.
O menino dormia sorrindo, sem saber ao que vinha.
Foram chegando uns e outros, traziam presentes e esperança.
E eles ali, sorrindo, sentindo apenas o milagre daquele momento, de terem ali o seu menino na caminha deitado, dormindo.
Uma estrela ao longe brilhava mais forte que as outras, iluminando o caminho. Todos queriam ver o menino-milagre, presenteá-lo, tocar-lhe ao de leve para se convencerem afinal que de facto estava ali.
Foram tantos anos à espera deste menino, berço da esperança e do amor... Anos de solidão e dor para todos os que agora ali se juntavam, com o coração cheio e os olhos brilhantes.
Ei-lo, nasceu o menino, ao fim de tanto tempo de sofrimento para aqueles dois, ela chorando no sangue que lhe corria do ventre, vendo as vidas que se esvaíam no chão, tantas e tantas vezes, o pai em grito mudo, abafando a sua dor.
As famílias dos dois acabariam ali, neste que agora é pai, nesta que agora é mãe. Dois nomes, dois sangues, duas histórias de gentes que tanto viveram e fizeram, duas famílias que morreriam assim.
Mas então que chega este menino-milagre, depois de tantas perdas, tratamentos e desamor, eis que ele chega, todos o olham incrédulos, de mãos apertadas, falando e até respirando baixinho para não acordar este menino-amor.


A todos um Feliz Natal cheio de amor, esperança e o calor dos nossos.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

História pedida 21 (por a Matéria dos Livros, versos de Cesariny): Junto a ti

"Entre nós e as palavras, os emparedados, e entre nós e as palavras, o nosso dever falar", Mário de Cesariny, do poema "You are welcome to Elsinore"


 Cheiras-me a colo, a meiguice, a quente. Gosto de afundar assim o meu nariz no teu peito, ouvir o teu coração que bate sempre rápido e encontrar a tua mão na minha.
O teu respirar é doce, tem tempo dentro.
A tua pele está sempre fresca, tenra, boa para eu beijar. Trinco-te a ponta dos dedos e sinto-te sorrir.
O teu olhar sei que está longe, perdido, enquanto eu não me canso de te falar. Falo por mim e por nós. Conto-te do dia de hoje, do que será amanhã, do tempo e dos outros. E tu nada, como cada vez mais sempre. Calada, sossegada, muda dentro de ti.
E a tua voz é tão minha nas poucas palavras que ousas trocar na sombra das noites.
Sei-te perto, estás sempre aqui à minha beira, sempre que te quero, que te preciso. Estás na nossa casa, na nossa vida, nos nossos dias, mas tenho medo que não estejas cá, perdida que estás nesse teu silêncio opaco e profundo.
Respondes-me sempre que «está tudo bem» às minhas insistências cada vezes mais frequentes. Ao meu medo crescente de te estar a perder para esse mundo sem palavras, sem explicações, sem sentimentos ditos. Não é preciso - respondes-me - o tanto que te quero está em tudo de mim para ti, está escancarado para fora do meu corpo, da minha boca, da minha voz.
Convenço-me por uns instantes, enleado nesse teu sorriso onde me perco uma e outra vez. Mas depois voltam estas ânsias, estes medos, esta revolta contra esse teu silêncio com que te vestes e onde me esqueço do resto do nós.
Deves-me palavras, declarações, vontades ditas, letras suspiradas. Deves-me por todas as que te digo a ti, por todas as palavras com que me esforço para encher os nossos dias, esta nossa casa tão oca e vazia, este ar carregado de ausências por tua causai, assim.
Estou emparedado na falta do que não me dizes; a respiração pesada, o peito dorido, a cabeça a estalar.
As palavras já as desencontro, a voz com vontade de se calar.
Está tudo bem, não te preocupes, só já não tenho mais nada para te contar.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Breve

O piano pousado em pleno meio da sala. Ele sentado ao piano. Ela em cima dele. Do piano, claro está.

As horas passam devagar, com mansidão, enquanto ele corre as teclas pesadas e ela se estende na madeira preta. Perdem-se do que está lá fora e do mundo que os procura com insistência. Mas ali, assim os dois dentro da música e dentro um do outro, não querem mais do que respirar o tempo dos anos todos em que não se tocaram, não se viveram. Em que se esperavam.

Ela fecha os olhos e desenha no ar os quadros de cores fortes com que irá encher as noites em que ele estará fora a actuar. Telas e telas que se empilham pelo chão, cheias das linhas vivas com que agora enche a sua vida. Ali está ao lado dele, no centro dos seus dias, finalmente, depois de tantas vidas que correram antes de se unirem num só.

Os cabelos dele já são brancos, os dela ainda mostram sombras da ruivice que o conquistou no primeiro olhar.

Tiveram que viver outros mundos, um sempre lembrando-se do outro, ele nos palcos, nas horas de viagem, no enlace de cada mulher; ela no colo do seu homem, na correria dos dias no escritório, nas telas sombrias que pintava antes de ir dormir.

Até que um dia ela se cansou da espera, do tempo contado, correu para ele oito anos depois do primeiro olhar e disse-lhe com voz meiga: chegou o tempo de nós. Ele sorriu e nunca mais a largou.

Não podiam estar mais cheios e perfeitamente completos. Não custou a espera, não foi preciso pedi-la, nem tão pouco consenti-la. Foi assim e pronto. Foi assim que aconteceu o amor maior que agora espreito da porta do meu quarto, enquanto os meus pais se vêem como se fosse ainda a primeira vez que cruzam o olhar.



Nota: o título desta história só será verdadeiramente compreendido por aqueles que tenham algumas noções de música/solfejo..desculpem, mas teve mesmo que ser assim..

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

História pedida 20 !!! (por Bartolomeu): Calçada da Memória

Frase sugerida por Bartolomeu «Reflectem-se nas palmas das mãos, as linhas de um destino indistinto; por se cruzar indistintamente com outros..»


Ela chama-se Irina, nome estranho e pouco convidativo, nada afinado com o tom da voz com que nos enche as noites. Os cabelos loiros, pintados, as unhas encarnadas, esmaltadas, o rímel carregado e a saia travada, dizem pouco do que ela sempre foi e que quero acredidar que ainda é.

Procura homem há anos, mas não se deixa ir com qualquer um. A voz rouca e vivida fala-nos daquilo que Irina não nos quer contar. Senta-se no fundo do bar até chegar a sua vez de subir ao mísero palco e cantar. Ajeita a saia, passa a mão no longo cabelo. Acena com jeito para o guitarra e ali começa num soluçar que nos aperta o peito e se nos cola às mãos.

Irina canta com sentimento, com dor. Vê-la no meio do fumo é um dos raros prazeres com que me presenteio. Todas as quintas à noite, desço a calçada até este antro de tabaco e aguardente, em ânsias por ouvi-la cantar. Em ânsias por ouvi-la, não por vê-la. Quando ela lá sobe na penumbra, abre a voz e começa a cantar, fecho os olhos e oiço a Irina menina que um dia deixei no altar.

Fecho os olhos e ainda a oiço cantar-me para adormecer, o fado que escreveu para a mim «Refletem-se nas palmas das mãos, as linhas de um destino indistinto; por se cruzar indistintamente com outros...».

Hoje quando ela sobe ao palco olho as minhas palmas, enrugadas, calejadas, velhas e secas e tento lembrar-me porque me fui naquele dia, enquanto a sabia deslavada em lágrimas à minha espera, perdida para sempre da inocência e do amor. E só porque me deixei levar pelo medo, pelo medo de não ser homem para ela, nem para esta voz rouca e tão cheia que sempre pensei que a levasse até tão longe, que um dia deixaria de voltar.

Sobe agora ao palco. Já é pouco do que foi a minha Irina, ja nem saberia bem quem é, escondida que anda debaixo de tanta cor fingida. Mas aquela dor na alma e na voz fui eu quem a fiz, agora sou eu quem a vai levar cantando-a na minha voz noite e dia, cantando-a para castigar-me, com vontade de fazer o tempo voltar e ir buscá-la ao altar.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

(História «inspirada» por Pirata Vermelho): Jogo de Espelhos


Um dia hei-de contar-te uma das minhas histórias, mas hoje é mais uma das outras. Hoje é uma história tua, que afinal é minha, por seu eu quem a escreve.

Estas são as palavras que já te disse e que agora me dizes a mim, perdidos que estamos um no outro. Ou talvez seja esta a história do perdidos que estamos um do outro.

Pediste-me para te escrever porque a palavra escrita dura um para sempre infinito demais. A palavra demais é tua, não minha. Disseste que não sabes escrever, não sabes escolher as palavras, não sabes torná-las tuas, nem moldá-las ao que somos nós.

Disse-te: tudo bem, não te preocupes eu levo-te pela mão neste caminho sinuoso, letra a letra, e vou encontrando-te as palavras e cada vírgula que precisas para me escrever. Para me escrever de nós.

A carta que tenho na mão, já não sei para quem é, a quem se destina, quem procura. Afinal quem a lê? Sou eu ou tu? De quem são estas palavras que me dançam sob o olhar afundado naquilo que era para ser uma amostra, um testemunho de nós? Quem encontrou este caminho que leva a tão pouco ou quase nada, que me deixa a pensar se ainda há sobre o que escrever, o que dizer, o que dissertar?

E afinal quem me escreveu, tu ou eu?

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Just for you

És o meu melhor amigo. O meu porto seguro. O meu colo. Uma parte de mim.
És a mão que preciso na minha, o único que sabe tudo o que sou, tudo o que fui, as marcas, as cicatrizes, as dores. E tudo o que tenho na cheiúra dos meus dias. Tudo o que me apoquenta e tudo o que me enche de sons bons. Contigo partilho os risos dos meus filhos, a ternura do que eles são em mim, os momentos mais felizes e as gargalhadas sentidas.
És o meu confidente de todos os males e de todos os remédios, a ninguém mais dou assim o tanto que para aqui vai. Nem aos que tenho mais perto, mas que estão tão longe. Podias ler-me do outro lado do mundo, de olhos fechados, sem sequer o cheiro de mim. Ainda assim irias adivinhar-me, desenhar-me em todas as linhas e contra-curvas, porque só tu me tens assim.
Conseguimos o impossível. Encontrámos o sublime.O perfeito. A ausência da necessidade de materialidade. A amizade e cumplicidade pura.
Sabias...?