Um desafio aos leitores!!

Já que umjeitomanso.blogspot.com me «anunciou» enquanto Contadora de Histórias, vamos lá pôr-me à prova! Quem se interessar, envie-me email (diazinhos@gmail.com) ou deixe comentário num dos textos, com uma palavra ou frase que me «inspire» para um próximo texto. A ver se pega e a ver se estou à altura..

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Na Rua das Flores

Eram doces as horas que passava longe de ti, depois de ti. Passo a explicar: longas eram as horas em que te esperava, colada à janela, os dedos gelados no vidro frio, sustendo a respiração à espera de te ver chegar. Se o tempo parava enquanto ali não estavas, certo é que desaparecia quando estava junto a ti. Ainda agora chegavas e já era tempo de ires. Mesmo que tivesses estado em nós por uma manhã, uma hora, ou um mês. Mas depois doces eram as horas em que tinha ainda o teu cheiro no meu braço e o teu sabor a sal cá por dentro de mim. Visceral. Tu eras visceral em mim. Toda eu sorria, toda eu me demorava a lembrar as palavras e os gestos. Era a doçura de lembrar o bom de estarmos feitos um. Não custavam as horas de volta da roupa, o ferro a queimar, o cabelo colado na testa, o cheiro a suor que também era ainda um bocadinho teu. Não custava a senhora lá dentro a pedir os chás, nem os meninos que me puxavam em gritos, nem sequer a má cara do senhor. É verdade que os dias em que tardavas a aparecer custavam um bocadinho mais, a respiração sustinha-se e ansiava pelo teu recado. «Hoje estou aí». Sempre assim, com essa tua letra desenhada e tombada, que enchia a folha branca de papel que me cheirava a ti. O miúdo dos jornais trazia-me o teu recado enrolado no bolso e ia-se a rir, não sei se do meu sorriso, se da moeda gorda que acabava de ganhar. Nesses dias deixava a porta dos fundos só no trinco, tu puxavas o cordelinho e deitavas-te de mansinho ao meu lado, na minha cama que era nossa e assim deixava de ter princípio-fim. Os senhores nunca punham pé no meu quarto e por isso podias por ali ficar o que quisesses. O que tu quisesses. Se fosse por mim chegavas e não ias nunca mais. Nunca te fiz uma pergunta, nunca pedi tempo, nunca te disse mais do que o bom que era ter-te para mim. Naquele dia havia festa lá na rua dos meus pais. Contei-te dos fogos e das sardinhas, das minhas gentes e do tanto que te queria levar. Contei-te dos miúdos e dos berlindes, das avós e mezinhas, da casa que tinha como minha e que esperava por nós. Sobressalto. Teu. E um silêncio negro de chumbo. Mas nesse dia eu não era aquela eu de todos os dias contigo, naquele dia eu estava feliz demais, tão demais, porque tu tardaste na minha cama, não corrias… e porque naquele dia me trouxeste uma rosa encarnada. E eu ia falando de uma vida para nós enquanto olhava aquela rosa encarnada tão bonita na minha cómoda escura, o teu peito encostado nas minhas costas e eu desenhando novos dias para nós enquanto as minhas mãos dançavam no ar, felizes na antecipação de uma vida para os dois. Uma noite disseste-me: gosto de ver as tuas mãos assim, a contarem as tuas histórias. Mas nesse dia não disseste nada. Acho que suspiraste, assim uma espécie de um respirar triste e sem volta. Saíste da cama e eu a falar, a falar dos dias em que esperava por ti, dos dias em nos lembrava, do quanto te queria em mim para sempre, sim sempre e sempre e sempre e nem ouvi as calças a esconderem o teu corpo, nem o passo arrastado das tuas botas pesadas, nem sequer a porta a bater. Sem volta. Continuei a falar, a dizer tudo de nós, o que calara por tanto tempo e já só falava e enchia o quarto de palavras já sem sentido, de palavras já fora de prazo e com pouco de mim, palavras que ia desenhando no ar como faço desde miúda. Enchi aquela rosa de lágrimas e esvaziei-me ali. Em confissão. Nessa noite rodei e bailei sem parar. Os rapazes puxavam-me para dançar e eu leve, infinitamente leve, voava nos seus braços. A rosa encarnada não saiu do meu cabelo e ao fim da noite estava encantada a ver os fogos ao luar.