Um desafio aos leitores!!

Já que umjeitomanso.blogspot.com me «anunciou» enquanto Contadora de Histórias, vamos lá pôr-me à prova! Quem se interessar, envie-me email (diazinhos@gmail.com) ou deixe comentário num dos textos, com uma palavra ou frase que me «inspire» para um próximo texto. A ver se pega e a ver se estou à altura..

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Summertime

O corpo na areia, húmido, salgado. Cinquenta e um mil milhões de grãozinhos ali deixados ao acaso a cobrirem-na, a esconderem-na. Gosta de deixar-se estar assim, abandonada, depois de um mergulho gelado, demorado, que a renova e traz de novo a terra.

Vejo-a daqui, longe, esquecido nas cadeiras de plástico verde que não tocam a areia, essa areia que ela faz de cama e leva para a nossa cama, nestes dias ferventes de Verão. Não gosto disso, da aspereza da areia na minha pele, do roçar na roupa, do sal que tem dentro. Mas ela sim. Como em tudo o que faz. Gosta de se sentir dentro. Assim está dentro do Verão, da praia, do tempo que se atrasa nestes dias que passam iguais. Ela gosta disto, precisa disto. Eu nem tanto assim.

Mas gosto de a ver - deitada, molhada - na esperança de a ter quando chegarmos à casa amarela, de a levar ao duche, lavá-la toda, fora e dentro, secá-la em mim e ficarmos no sofá encarnado até apetecer. Não sei se hoje será um dos dias em que estará para isso. Talvez hoje corra a esconder-se na cama, pejada de areia, sal e essas coisas que não quero em mim, o ritual das uvas frias a entrarem ordeiramente naquela boca que quero. E eu sozinho no sofá encarnado, meio perdido de mim. 

É ela quem nos vive, que sabe o que vai ser. 

Melhor assim. Melhor do que os dias frios em que chego a casa e não a encontro, perdida que anda sempre em telefonemas, noites no computador, comprimidos para dormir, comprimidos para sossegar, comprimidos para esquecer os dias que ainda faltam para voltarmos à areia do Alvor.

Vejo-a em mais um mergulho. Acho que sorrio. Não tarda está a chegar.




terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Nada na manga

Um dia vi um mágico. Tinha uma cartola rosa, largas mangas verdes, sapatos turquesa enormes. Na realidade mais parecia um palhaço que um mágico. Mas era mesmo e era só meu. Naquele dia meu tive um mágico só para mim.

Fez truques indizíveis, fez magias inenarráveis. Eu toda concentrada, compenetrada, séria e sisuda, a admirar a solenidade daquele momento em que finalmente tinha alguma coisa de importante minha e só minha. À minha volta risinhos e gargalhadas, palavras soltas, ocas, que nem conseguia entender. Aquele momento era meu.

Esse dia já vai longe, nem me lembro ao certo quando foi. Ainda não era esta que sou agora, ainda não tinha este peso todo, este carrego de rugas e cabelos brancos. Ainda não tinha estas marcas e cicatrizes, ainda não tinha aquilo que hoje é meu. Pode ser pouco, cabe até na palma da minha mão seca e rude, mas é meu.

Esta vida na cidade cansa-me cada vez mais e já não sei se não vou mas é voltar para casa da minha mãe. Que agora está fria e gelada, portas e janelas fechadas, os bichos a passearem-se por ali, à procura de qualquer coisa que não há.

Não há nem nunca houve, a bem dizer. Tudo ali era escuro, gelado e infimamente pouco.

Mas eu e a minha mãe lá íamos levando os dias, trabalhando muito no campo ralo, as mãos roxas, geladas do frio da madrugada, as noites encolhidas uma na outra, o pouco que havia para comer. Até ela ficar doente e ir-se de vez. E eu sozinha fiz-me à estrada e aqui vim dar.

Este nunca foi o meu lugar. Nem o frio menos frio, o trabalho menos duro, as gentes menos ásperas, nada disto me soube - nem sabe -  a casa.

Tenho andado a pensar nisto há uns dias, se não estará no tempo de voltar. Quem sabe se ainda por lá anda o mágico que um dia me fez corar ao oferecer-me uma desfiada rosa encarnada. Tirou-a da cartola e entregou-a a mim. Para ficares mais feliz, disse ele. E eu, finalmente, sorri o sorriso que nunca tinha experimentado.

Sim, já decidi. É hoje que vou voltar.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Anda


Deixa-me parar junto a ti
Junto ao mar
Antes que a curva se desaperte
Antes que o que há depois
nos venha chamar

Traz-me no teu colo, no teu peito
Conta-me o que houve antes de te encontrar
Deixa a tua mão na minha
Mais um pedaço
Mais um pouco
Vem ver a lua no seu altar

O vento aqui não chega forte
Só a música que nos faz voar
Bem alto até nos perdermos
Do tempo que quer acabar

Sinto-te assim bem perto
(Não sei se até a dançar)
Escondes-te nos degraus vazios e soltos
E pedes-me agora para te encontrar

No dia que faremos nosso
No tempo que vamos desenhar
Vou encostar-me a ti e prender-te
Vamos pela estrada a passear

Vou dizer-te bem alto Anda!
Vais sorrir e acenar
Vens no meu passo demorado
Os dois encontrando sem procurar

Chego-me a ti para dizer-te
o que tenho para te contar
Que a partir daqui e de agora
Não há hora para voltar

sábado, 18 de fevereiro de 2012

História pedida 26 (por M.J. sobre um «abraço»): Vazio de ti

Conto cada salto do ponteiro encarnado no relógio da cozinha. Conto cada segundo que falta para te ter. Sem hora marcada, sem dia definido. O dia em que voltarás a esta casa, às nossas crianças, ao cão que não pára de uivar desde que te foste, ao meu abraço que desespera.

Já não sei há quantos dias foi, já não sei como te foste.Um dia enchias o nosso mundo - eras o nosso mundo! -  e no outro acordámos sem ti. Vazios e tristes. Eu, a casa, as crianças, o cão e até estes meus braços que não sabem o que fazer agora.

Dizem que te viram ao longe, que ias no sorriso de um cavalheiro qualquer. Não sei, não quero acreditar. Acima de tudo não quero ver, não quero sentir, não quero perceber. Não quero adivinhar. Não preciso dos porquês, nem dos como's e muito menos do «quem».

Quero apenas que o ponteiro encarnado corra mais rápido, que salte veloz entre os números, que me traga num instante o dia em que sentado cá dentro te vou ver lá fora enrolada na relva com as crianças, o cão, todos no teu abraço, enquanto cá dentro sorrio porque tudo está bem e a perfeição voltou aos nossos dias.

Prometo que desta vez, quando pousares a mão no meu ombro, vou reparar, vou sentir a pressão da ponta dos teus dedos, o adeus que me queres dizer. Desta vez vou saber exactamente o que fazer. Vou abraçar-te, apertar-te bem, encaixar-te em mim. E não te vou largar.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O Criador

E finalmente pôs-se assim, dobrado, soçobrado, encolhido, tolhido em si, descoberto e desnudo, só, abandonado.

Deixou, na sombra colada aos pés, os restos do momento que passara, da vida que se perdera, do dia último dos dias, da triste vontade de perder. Desmaiou-se assim em si mesmo, suspirou o último fôlego, o último adeus.

Parou o tempo no relógio e lá fora, criou um tempo-espaço só seu. Deitado sobre si, do seu corpo, do seu nú, dos seus braços recolhidos ao peito. O cabelo colado à testa, molhado, suado, orvalhado, atirado num gemido, quebrado e desalinhado.

Lá fora todos os sons, toda as vidas, todos os pedaços de si. Lá fora para lá do muro, do seu muro cinzento e frio, passam os outros mundos, os outros eus de que agora não quer nem perceber o vulto, muito menos o olhar.

Precisa arrastar-se assim, esgotado, vazio, oco no centro, para se poder renovar. Ganhar nova pele, novas asas, novos mundos inventados, novos sentidos e emoções.

Talvez seja até uma lágrima que brilha na penumbra, talvez o último resto de si naquela noite.

Amanhã erguer-se-à de novo, sempre uma e outra vez, num novo Eu, um novo corpo, uma nova luz, num sentir que não conhece fim. E assim seguirá vibrando enebriado até ao encerrar do próximo espectáculo, até ao som dos aplausos se gastar, até retirar a pele que nessa noite se tornou gasta e deixar-se ir colado ao fundo de um quarto qualquer. Para na manhã seguinte começar de novo a Criar.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

História pedida 25 (por Anónimo, com título:) Chuva de estrelas)


De braço estendido no ar, espera sozinha no escuro. Não há cenários, nem cor, não há palavras, nem gente. Sozinha está e sente-se bem assim. Encostada no seu sofá encarnado, à espera da manhã que há-de chegar. Sem pressas, de mansinho.

Com cuidado poderíamos perceber-lhe o sorriso começado, os olhos fechados, o corpo abandonado. Com aquele longo braço escuro, pendido do sofá, pendido dela.
As cortinas verdes, salpicadas de flores minúsculas, são translúcidas no escuro, são asas da sua janela. Para lá do vidro as luzes dos carros que teimam em passar. A esta hora imprópria, despropositada.
Tenta ver as estrelas cadentes que anunciaram para esta noite. Tem tantos desejos por pedir... E terá direito a um por cada uma que riscar o céu.

Sorri porque gosta do silêncio, do som nenhum, do vazio que compensa os dias cheios que lhe roubam o espaço, o tempo, a vontade de pensar.

E sorri porque se lembra da grande chuva de estrelas que viu há tantos anos e tantas vidas atrás, embrulhada num cobertor, encostada à mãe, no escuro céu de Sagres. Nesse dia pediu apenas - 1000 vezes por cada uma das 1000 estrelas que se perderam -, para ser feliz.

Por isso agora que vê a primeira estrela gorda, grande, branca, a riscar o céu, sorri. Sorri bem de dentro de si, com o seu corpo, os seus olhos, a sua boca redonda, o seu braço desencontrado. Sorri porque afinal já não tem mais nada a pedir. Está tudo perfeitamente perfeito assim.



quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Meiguice (resposta ao «desafio» da quinzena do Amor no blog Xaile de Seda)

amor és tu
tu nos meus passos
tu em mim

amor somos nós
de mãos enleadas
de corpos entrelaçados

amor sou eu
contigo nos meus olhos
contigo sempre

amor é o salto
que juntos damos
mais alto
mais longe
num arrepio carregado de vento

amor é este segredo que te canto
em que te embalo
em que te prendo
meigamente
no sol dos nossos dias

amor és tu
amor somos nós
amor sou eu
num salto
em que canto

a história da história de nós