Um desafio aos leitores!!

Já que umjeitomanso.blogspot.com me «anunciou» enquanto Contadora de Histórias, vamos lá pôr-me à prova! Quem se interessar, envie-me email (diazinhos@gmail.com) ou deixe comentário num dos textos, com uma palavra ou frase que me «inspire» para um próximo texto. A ver se pega e a ver se estou à altura..

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Natal Feliz!

Porque e' a minha altura preferida do ano, porque me faz sorrir e cantar, porque este Natal foi tudo o que um Natal feliz deve ser - familia, criancas, ternura, carinho, generosidade nos gestos e encontros, quero agradecer por estes diis dias imensamente bons. E como e' bom parar um segundo a inspirar o tanto de bom que temos na vida.
Festas muito felizes para todos os que me vao lendo e ao mundo e arredores!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Lenga-lenga

Bom, bem bom, bom. Ai, ui, ai, ui. Estás, estás, estavas. Sabendo, sabias, sabemos. Um, dois, três, era uma vez a história de nós três. Anda, embora, fora, toma, anda, come, leva, leva-me, fica, fiquemos. Ri, risos, ri, sorri, sente, aperta, vive. Toma, toma-me, come, come-me. Olha aí, olha aqui, olha-me a mim, olha só o que aqui vai. Ouve lá, ouve cá, são gargalhadas, são doçuras, são mimos, são ternuras. Anda, embora, vamos, vai, leva-me, aperta-me, agarra-me, sente-me, come-me, enche-me toda, leva-me agora. Arrepios bons, borboletas all over, pontas dos dedos que comicham, cabelos que se arrepelam, coisas que só tu sabes, que eu sei, que nós sabemos nós dois. Vamos, vamos vendo, vamos sendo, com saudades do que era, com vontades do quem vem, das coisas boas, das luzes a piscar, das musicas por todo o lado, dos meninos a brincar e eu e tu e tu e eu e nós dois assim mesmo a sorrir na certeza de que tudo está quase a passar.

domingo, 2 de dezembro de 2012

...e muitos anos de vida

Já te escrevi muito... já te escrevi tanto! Letras que só tu e eu sabemos que são nossas, vontades rasgadas, pensamentos velados, gestos por acontecer. Já te escrevi tanto e muito e só tu sabes que estas palavras saem de mim para ti.
Meu amigo de todas as horas, minha ternura de todos os dias, minha paixão renascida em cada jeito teu, como poderei algum dia agradecer-te o tanto que me dás?
Cresço contigo, dou os meus trambolhões e safanões, as minhas cantigas e gargalhadas e tenho-te na vida que vou vivendo sabendo a minha na tua mão.
Um dia saberemos exactamente o que fazer de nós, um dia saberemos sem demoras o que serão os nossos dias.

E, agora, o caminho, este nosso caminho que vamos desenhando, este caminho que nos fazem viver.
Goza o caminho, dizes-me tu - e eu sempre nas ânsias do que vem mais além - goza o caminho, aproveita o nosso momento, o pouco tanto que temos, aquilo que somos nós.
Seja, venha o caminho, porque há momentos em que a espera até faz doer. Venha o caminho, a estrada e a tua mão na minha como prometeste. Venhamos nós encolhidos, enrolados, emaranhados no que há-de ser.
Tudo vai ficar bem. Sei.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Banho Maria

Já deixaram alguém em banho-maria? Pois não o queiram fazer. 
É doloroso, nao só para o sujeito banhado - obviamente -, mas muito para quem o faz.
O sujeito ora se contorce e estrebucha indignado com o que se lhe está a suceder, ora se põe de cabeça para baixo, de jeito amuado, tentando desaparecer; ora ainda se deixa estar a flutuar no quente como se nada estivesse para acontecer.
E nós, perpretores de tão terrível feito, sentimo-nos atordoados,doridos, sem saber bem o porquê de fazermos aquilo - tal atrocidade! - mas numa necessidade incontrolável, visceral, de o fazer. Dói cada gemido que se ouve, cada súplica calada, cada palavra abafada. O sujeito ali, em lume brando, a marinar, a perguntar sem o fazer: até quando, até quando isto vai durar, até quando este entontecer, este atordoamento, este queimar lento? Para quê, para quê?
E nós ali, olhando, incapazes de mais, vamos controlando o lume, tentando que não queime de vez, esturrique, se desfaça e desapareça, a contar os segundos até esta necessidade ruim desfalecer.
Não queiram pôr alguém em banho-maria. Não é bom, nem pode ser. Custa e repuxa, dá medos por dentro de não se saber qual o ponto certo, a solução, o fim à vista. Não há receita que nos guie, conselho que nos valha, só deixar acontecer.



 

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Alerta amarelo II

Saltaste o telhado,
escondeste-te no mato,
mergulhaste no tempo do poço escuro
afogando-te assim,
para tocar os pés no fundo,
voltar para mim.

Na falha do precipício, na volta do mundo,
correste assim, fugiste,
largando-me na margem
de um lago espelhado,
um lago direito e sossegado,
numa volta, num revolteado,
no cheiro a alfazema
do tempo abandonado

Correste de mim, fugiste
disseste-me e não ouvi
tonta que estava, sorrindo que estava
E as palavras voavam soltas

no dia cinzento em que nasci
perdida de mim
em ti  

sábado, 3 de novembro de 2012

Alerta amarelo

Dou  por mim a gostar de dias de chuva. Antes não gostava; dias presa em casa, sem praia, sem rio, sem ar livre eram suplício. Mas agora sabe-me bem, estar em casa, no morno, agarrada aos meus meninos deslumbrados com a água que cai do céu. Embrulhamo-nos uns nos outros, falo-lhes com voz de mistérios e descobertas, eles atentos, de olhos bem abertos, apaixonados por mais uma novidade.
«E o vento mãe, por que não vem o vento e a trovoada mãe?» Sorrio. Nunca gostei de trovoada, a força estrondosa da natureza assusta-me. Mas agora gosto, gosto mesmo, gosto de estar com os meus meninos enrolados numa cama virada para a janela e ver os relâmpagos, contar até aos trovões, senti-los encolherem-se em mim com um sorriso de nervoso e felicidade.
Por isso espero que além desta chuvada e dia cinzentos de hoje, ainda venha um valente vendaval, uma trovoada daquelas, para tê-los sossegadinhos, agarradinhos a mim, admirados com o que se passa lá fora, enquanto aqui neste abraço tudo é perfeito.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

A menina Aguaceiro II

Tenho sede dos teus beijos; a minha boca sente uma falta imensa da tua. E isto não é conversa pseudo-poética, é literal, físico, visceral e eu nunca pensei que se pudesse sentir a falta de alguém desta forma tão violentamente intensa.

Corro os nossos recantos na esperança inconfessada de um acaso em que nos encontremos. Re-encontremos de corpo e alma. Soa forçado, mas não é, de todo, é sentido em todos os poros e terminais de mim.

Fico aqui em frente ao rio, como tantas vezes ficámos, num sítio nosso e penso no que será de nós.

Tu dóis-me. Dóis-me, custas-me, pesas-me, por gostar tanto e tanto de ti. Mas há momentos em que a ausência de ti é insuportável, que a tristeza entra por mim dentro e sinto os braços cairem, eu toda a tombar e com vontade de deixar-me ir sem chão.

Corro, fujo, distraio-me, finjo não sentir, não lembrar, não querer. Passo à frente, ao lado, por cima. Escondo-me por dentro, viro-me do avesso, tento seguir, seguir, andar, passar, correr.

Mas há momentos assim em que a falta de nós entra pelo meu dia a dentro e só uma pergunta toda cheia em mim: como foi que Gostar muito de ti passou a ser Gostar demasiado?  

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Bom astral


Hoje é só assim....uma música de que sempre gostei muito, com uma mensagem que faz muito sentido

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Código de Morse


Ontem?

Não, hoje.

Mas a sério mesmo?

Sim, mesmo, a sério, muito a sério.

E tens a certeza que queres?

Sim, agora sei, daqui a pouco já não sei se saberei.

E não era para ter sido ontem?

Já te disse que não, hoje, só hoje é que é, não sei porque percebeste que teria sido ontem, quando te estou a dizer: Queria ver-te.

Porque disseste que querias. Não disseste «Quero».

É o Imperfeito de Cortesia. Lá tenho que estar eu a dar-te lições de Português..

Cortesia, comigo? Chegámos mesmo a isso? Depois dos anos em que estivemos lado a lado, segurando-nos, amparando-nos, de mão dada, vivendo juntos à nossa maneira? Cortesia…?

Ai, não leves a mal, não te prendas nesses pormenores dos meus preciosismos linguísticos. Estava a querer dizer-te que depois de todo este tempo afastados, desta tempestade sem fim, finalmente sei que quero sentir-te meu outra vez, que agora sei que, seja como for, hei-de ser sempre tua, que agora quando te liguei, naquele preciso e precioso momento queria o teu abraço no meu e adivinhava até as minhas lágrimas na tua pele ao primeiro toque. E tu só tinhas que responder «Vou já para aí» e agora estragaste tudo com estas tuas manias e agora afinal deixa, tinha que ser no imediatismo daquele momento, que já foi, já passou, foi-se e agora não sei quando voltará.

E volta?

Se não estragasses tudo, voltaria. E agora estou a usar um Condicional personalizado. Só para que saibas.

(E, finalmente, sorrimos.)

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

´Tá de Chuva

Elogiei-lhe a fatiota aprumada de hoje. Camisa preta, gravata de riscas azuis claras, blaser castanho com quadradinhos encarnados (seria?). Ele a sorrir-se todo: Gosta dótôra? é que eu escolho tudo a condizer! E eu sem conseguir vislumbrar o que é que condizia ali e com o quê. Nada, claro. Mas ele feliz. Agora que anda de óculos novos até parece mais bem-posto, mais senhor de si. Não fossem a magreza extrema, a sujidade das mãos com que hoje apertou a minha e os dentes inexistentes e/ou mal tratados, até passaria por um de nós. Seja lá o que for isto de «ser um de nós». Mas é um mero arrumador de carros, estimado é certo, mas nesta vida indigente, a ter que pedir moedinhas, a esforçar-se por mostrar que se esforçou mesmo quando só aparece quando já estamos de saída.
Para que estou a escrever tudo isto? Ainda para mais já escrevi sobre ele outras vezes.
 Eu não sei bem o que é, mas acho que sou eu com vontade de descobrir nele uma história avassaladora, uma coisa digna de filme, uma daquelas que nos deixa numa choradeira desatada, uma revelação extraordinária que mostre que afinal ele é mais do que isto ou que algum dia foi. É curto isto. Mas na verdade ele agora até me parece feliz. Se calhar afinal até não é má de todo a vidinha que leva.
No outro dia dizia-me, Dótôra hoje despeço-me já porque vou sair mais cedo qu´hoje dá o meu Sportem na televisão. Ou vejo-o pegar no Peugeotzinho velhote (pasmei-me quando descobri que até carro tem!) e me atira òh Dótôra isto hoje está muito frio e apetece-me é ir para casa sossegado..! E é estranho isto, porque ele tem esta liberdade, este afoitamento, este entusiasmo a falar connosco, seus cliente habituais, nós que nos queixamos, eu que murmuro um Desculpe lá, porque só tenho uma moeda pequenina para lhe dar – e ele Deixe lá isso Dótôra, então a gente não se conhece aqui de todos os dias? - e lá vou a resmungar porque hoje apetecia-me mesmo era estar em casa enrolada com os meus meninos, porque está um dia cinzento e frio e não há melhor que o calor dos risos deles em mim.
E a verdade, como se sabe, é que não há moedinha que pague nem um bocadinho disso.

domingo, 30 de setembro de 2012

A menina Aguaceiro

Há dias assim, em que as coisas se complicam, o mundo fica mais cinzento e há partes de nós que nos doem. Há dias assim em que tanto corre mal e depois há o tanto bom que se tem. Há dias assim em que falta uma mão forte e doce para apertar, mas em que se sorri porque é tão bom ter uma mão pequenina dentro da nossa. Há dias assim em que não há certezas só perguntas e infinitos Se's, em que o sim é não, o não talvez, o talvez mais ou menos e por aí se vai. Há dias assim em que o sol se vai mais cedo, mas que nos descobrimos entre os risos pequeninos que enchem a noite.
Há dias assim em que me apetece encontrar um refúgio, um ninho, uma toca, levar os meus pequeninos comigo e deixarmo-nos estar em dias de sossego e muitas gargalhadas.  Iria para Setubal, para os meus avós, molhar-me com as mangueiradas no jardim, eu menina no meio dos meus meninos enlameados e risonhos. Eu menina no colo da minha avó que me iria entran¢ar o cabelo indomável como quando era eu pequenina, agora com os meus amores a brincarem a meus pés, com o meu avô que estaria ainda como era, a ensiná-los sobre a fábrica do cimento e as sementes que plantámos lá no quintal. Há dias assim em que só apetece paz e sossego, respirar fundo e ter quem tome conta de nós enquanto carregamos os nossos no colo.
Há dias assim que chegam ao fim e com cada uma das nossas crianças adormecida em cada um dos nossos bra¢os, afinal nos nossos lábios uma só palavra: obrigada. E assim, sorrindo, adormecer.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Equação de Nós dois

Gosto de ti mais que banhos de mar
Gosto de ti mais que pastéis de belém
Gosto de ti mais que o vento nos meus cabelos
Gosto de ti mais que a música a estalar nos meus ouvidos
Gosto de ti mais que a sombra das árvores em Agosto
Gosto de ti mais que férias demoradas
Gosto de ti mais que sestas na relva
Gosto de ti mais que risos com amigos
Gosto de ti mais que mergulhos na piscina
Gosto de ti mais que lençóis fescos na pele quente
Gosto de ti mais que um livro que me enche de histórias
Gosto de ti mais que escrever
Gosto de ti mais que muito, mais do que mais
Gosto de ti e era tão bom que pudesse ser só assim,
que fosse fácil assim,
que chegasse assim,
tu e eu
eu e tu
e no fim de tudo
tu com o meu cheiro a mim

sábado, 15 de setembro de 2012

Jogo de silêncios

Andamos neste jogo de silêncios. Há coisas que calamos. Muitas. Eu por isto, ele por aquilo, ou, no fundo, talvez os dois pelo mesmo.
Calo-me para não gritar o que me arde por dentro, para não me ouvir dizer o que sei que ele não quer ouvir.
Este nosso jogo de silêncios vem desde sempre. Enchemo-nos das coisas por dizer, sufocamo-las cá dentro até ao dia em que tudo sai numa torrente, num dilúvio, levando todos dentro. Todos, todos os que fazem a nossa história, todos os dias que nos doem, todos os medos e dores por dizer.
Hoje estou cansada deste nosso jogo.
Xeque-mate.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Palavra d´honra!

Quando eu fôr grande quero ser como ela: grande, opulenta, de peito avantajado, seios poderosos, ostentosos, portentosos, a fazerem sombra a um umbigo embutido em carnes rijas e rosadas. A coxa larga e firme, tornozelo rechonchudo ainda que bem torneado.

Quero ser como aquela mulher na praia do porto de Sines, contando alto e bom som até três, para a minha amiga escanzeladota tirar-me fotografias sensuais, ora agora de cabelo a soltar mil gotas salgadas enquanto o atiro para trás no meio das ondas, ora enquanto me rebolo deitada, tão extraordinariamente sensual e descomprometida à beira-mar, com a espuma das ondas a ladearem-me as curvas acentuadas.

Quero ser como ela, de sorriso fácil e feliz, enquanto a minha amiga me tira fotografias a meu comando, perante o olhar espantado dos outros veraneantes, toda eu em alta-voz, toda eu bamboleante, toda eu gargalhadas soltas e olhos brilhantes.
O fato de banho preto é o toque perfeito. Elegância acima de tudo, que isto de ser descontraida não tem nada a ver com desleixo ou falta de vaidade. Não, um fato de banho preto bem decotado, que mostre bem o que é bom de ver, mas que me dè esta aura de robusta femme fatale perdida no meio do alentejo salgado é a cereja no topo do bolo.

Ser como ela, cheia, poderosa, rosada e sorridente deve ser mesmo do melhorzinho que há para se ser. Come-se do que se gosta e porque se gosta, na quantidade que apetecer, sempre de ar saudável, satisfeita, altamente curvilínea e gargalhada potente. Toda ela potente. E absolutamente feliz.

As fotografias talvez vão para o rapaz lá da faculdade que todas cobiçam, ou talvez até se aventure a enviar para aqueles programas de televisão que nos dão 5 segundos de fama.. Nao interessa, talvez nem vão para lado nenhum e fiquem até por revelar. O momento foi bom e é o que importa. O caminho é que interessa, não o destino.

Por isso, eu quando for grande quero ser assim como esta mulher reluzente e cheia que vi dançar na areia e cantarolar uma música sexy enquanto saía em camara lenta das ondas.

Talvez no próximo Verão seja eu a rebolar um peito cheio, pesado, nas ondas mornas, a posar para uma máquina fotográfica, a cantar baixinho uma músiquinha sensual. E talvez tenha até alguém por perto a gritar-me bem alto: já está!

sábado, 8 de setembro de 2012

Quando eu for grande quero Escrever

Um dia hei-de escrever algo extraordinariamente belo. Palavras bem encadeadas que tirem desta expressão toda a sua presunção e arrebitamento.
Um dia hei-de conseguir libertar-me de mim e dos meus mundos, elevar-me acima do terreno e escrever num fluxo natural, corrido, translúcido, todas as palavras, virgulas e reticências que sejam um elogio perfeito à língua escrita.
Um dia hei-de conseguir toda eu brotar-me em flor, encontrar toda a cadência certa e compasso acertado para mostrar-me de dentro para fora, numa perfeição que me mostre sublime.
Um dia hei-de ser escritora, nem que só por um texto, por uma história, por umas linhas perfeitas, absolutas, leves, que no fim me deixem solta, cheia, feliz.
Depois pego na folhacheia e perfeita, aperto-a no peito, escondo-a na minha caixa dos tesouros e sorrio o meu sorriso mais sincero, porque hei-de ter o meu maior segredo só para mim.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Volto Já

Vontades de mais. Vontade do teu corpo abandonado em cima do meu, mas com delicadeza, por favor, sem estragar muito, se não for incómodo, mas, sim, o teu corpo abandonado em cima do meu, entregue a ti.

Os teus dedos contam os meus, um a um e tenho apenas vontade de dizer lamechices, porque é bom gostar de ti e é bom gostar de ti assim. Gosto que me vejas de ponta a ponta, de fio a pavio, de te sentir perdido nos cantos daquela que sou quando estou contigo assim.

Doi-me a ponta do ombro e tu sorris. Passas as mãos nos meus encaixes e rangidos e sabe-me bem.

Os dias bem que podiam ser sempre assim. Sossegados e frescos. Mas está na hora, mais uma despedida, mais um Adeus. Para ti são sempre Até já's, mas eu prefiro dizer-te Adeus quando os Já's estão longe demais. Vamos vivendo assim e há qualquer coisa de muito bom nisso, qualquer coisa de muito bom em ti abandonado em mim, sossegados e frescos, num dia de Verão como estes que vamos tendo para nós.

Amanhã a praia, a areia na minha pele, o mar aos meus pés. Respiro fundo. Os risos entram cá dentro e sinto magias à flor da pele.

Meu querido, meu doce, até já.




segunda-feira, 30 de julho de 2012

Salto em altura

Hoje o vento cheira a novo, a coisas por fazer, por experimentar.
Hoje a manhã fresca traz-me o sabor a ti e ao que estamos para ser.
Hoje fiz-me senhora do mundo e apertei no peito a luz e o som dos teus passos na minha sombra.
Hoje revelei-te mais um segredo meu, mais uma folha do meu caderno. Sentei-me empoleirada na beira de muro nenhum, deixei os pés balançarem no teu respirar na porta do meu ouvido.
Conta-me mais, disseste tu sem dizer.
E assim me calei porque não sei responder a pedidos, nem sequer a vontades de mais de mim. Se me queres ver como sou, deixa-me andar, fluir, sentar-me no teu colo, beijar-te o cabelo e ser feliz so assim.
O meu mundo é feito de coisas simples, deixa-me apenas estar e assim crescer.
Não preciso de muito, não quero tanto assim, apenas mais de ti para eu ser mais de mim para ti.
Um dia vais entender-me, vais chegar mesmo lá, ao cerne da minha questão. Mas não é hoje, hoje ainda não. Hoje ainda só me pegas como eu gosto, só me beijas como eu quero, só me deixas enleada em ti. Nao faz mal, nao te preocupes, preciso deste caminho assim. Pois, hoje nao, talvez amanha já me consigas ver a mim.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

TPM ou Mulher à beira de um ataque de nervos

Há dias assim, em que as palavras custam e os gestos ainda mais. Há momentos assim, tempos assim, em que se tem pouco quando se quer muito, em que se sente mais a falta de qualquer coisa mais, em que a sede parece interminavelmente insaciável.
Não é pouco o que queria, mas muito não é também. Queria mais um tempo de nós, mais um passo marcado bem fundo na nossa pele e na história do que vamos sendo e do que seremos, quem sabe, um dia.

Ás vezes o pouco é demasiado pouco. Ás vezes um sim, não chega.

Dói, mas também não faz mal doer. Só mostra que ainda importa, que ainda conta, que afinal é bem mais do que podia ser.

Por aqui me fico e assim me despeço de nós. Pode ser que nos encontremos outra vez. Que voltemos a ser o que um dia fomos, há não tanto tempo assim. A partir deste momento somos outros, juntos sim, a querer o mesmo tanto que sempre quisemos. Mas com uma cicatriz, uma ruga, mais uma dor de crescimento. Parto difícil este, o da nossa história.

Ainda que ainda um, somos então outros e as despedidas fazem-me sempre doer.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Santos populares

Dona Sofia comia e lia, comia e lia e era assim que vivia. De vez em quando, uma vez por dia, encolhia-se e ria. Do quê, não sabia, mas ria e ria até que mais não podia.
A vizinha Maria chegava-se à janela, ajeitava-se e dizia
«Dona Sofia, Dona Sofia então como vai ser o seu dia?»
Ela, na cadeira que rangia, atirava um «Nada» que gemia.
A Vizinha Maria encolhia os ombros magros numa delicadeza que até doía, voltava-se para dentro e lá ia.
Dona Sofia gorda e pesada, lia e comia, comia e lia, pensando que assim vivia.
Mas, assim que anoitecia, na cama gelada e fria, Sofia lembrava o que já fora, lembrava que um dia naquela cama já tivera companhia.
Chorava pela sua cria, que se fora atrás de uma qualquer vadia, deixando a mãe - que mãe e pai sempre seria - só, gorda e fria. Desde pequeno sempre o quis bem debaixo da asa que agora se lhe pendia.
Não sabia do seu menino, há anos que não o via, não o cheirava, nem o ouvia e era nos livros que o tempo  mais corria, nas vidas dos outros que não foram deixados em valente agonia, de outras gentes de vidas contadas com alegria.
Dona Sofia às vezes ria. Mas o porquê só ela sabia. Talvez fosse nervoso, talvez um nada, talvez fossem os astros em sintonia...só ela sabia, só ela percebia.
O seu menino quando voltou, de loira pelo braço, criança no ombro e carro de elevada categoria, já só soube da mãe, da gorda e só Dona Sofia, por esta cantilena que o povo inventou, chorando a triste sorte da perdida e vazia Sofia.


quinta-feira, 7 de junho de 2012

Hoje, em Junho, nevou

Hoje apetece-me que me escrevas, me enchas com palavras tuas. Hoje seriam duras, frias, brutas como tu sabes ser. Apetece-me ler-me entre as tuas letras e virgulas, apetece-me que sejas tu a escrever-me.
Não estou para coisas dóceis, nem imbecilidades. Estou para crueza, frieza, tudo o que for áspero e certeiro. Na mouche.
A água gelada com que me vais esfriando, dia a dia, momento a segundo, vai por aqui escorrendo, encontra-se toda junta na minha sombra molhada e acompanha-me, dia após dia, mesmo que eu, pisando-a, finja não a ver
Hoje estou dura, estou pedra, estou rocha.
Hoje perdi os sonhos de menina, acordei na realidade. Alternativa.
Hoje apetece-me que me faças uma declaração de amor, num sítio público, mesmo sem dizeres quem és, nem quem sou. Só assim umas palavras que eu veja logo o quanto sou tua e que vale a pena esperar  por ti. Se é que existes, se é que és o homem para mim.
Agora estou a precisar de um colo, talvez para chorar, talvez só para não me sentir tão perdidamente sózinha. Só. Talvez até para me rir sem parar, me rir feita tonta, me rir esquecida do resto, me rir perdida, e logo encontrada no canto do teu sorriso igual ao meu.
Hoje estou assim, meia coisa, meia estranha. Meia-meia.
Fazia-me bem dormir, acabar com os disparates, sossegar a minha sombra, sossegar-me a mim.
A cama vazia não ajuda, mas a promessa de nós sim.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Gabriela, cravo e canela

Cheiras-me a canela, sabes-me a canela. A canela picante. Não é que saibas mesmo, mas a cor da tua pele, do teu cabelo, das tuas ancas é canela e é quente.
Sei que não devia dizer-te isto, nem cantar-te ao ouvido, nem sequer mostrar-te o quanto te quero. Mas tu és assim como que um bocadinho de mim, que anda assim longe de mim, que me quer assim perto mas também me afasta, que sabe melhor que eu o quanto te preciso, que me enleia nesse perfume cor de pele e me deixa de cabeça pendida.
Se um dia me deixares pegar-te na mão e, de vento nos cabelos, me deixares levar-te até aquela curva na Arrábida, vou dizer-te o quanto te quero e gosto de ti.
Sabes que sou Poeta, mas só me inspiras prosa. Estou capaz de encher folhas e pedras e troncos de árvores e até paredes e estradas, só de palavras de mim para ti. Minha musa ausente, de mim apartada.. Vejo-te no braço daquele bem-posto, bem-falante, de finas famílias e que te dá as casas, as férias, os ouros, a vida que julgas querer, mas não te dá nem uma pontinha do sonho em que eu te posso levar comigo.
Esta é a história de um amor que tu dizes impossível, que dói , mas que também não faz mal doer - porque é nosso, porque assim és minha -, que se vai escrevendo entre poemas sem rimas e infinitas declarações proseadas e assim, letra a letra escreve o que há-de ser de nós.
Não queria ser novela, prefiro para nós uma crónica. É que, sabes, esperar faz ferver, faz doer, faz perder  a cada momento que passa, mais uma letra da história que pode ser a nossa. Ou podia, já nem sei.
Sabes-me a canela, cheiras-me a quente. Anda para mim, pode ser que te escreva uma rima no dia em que  te tiver ao acordar. No dia em que nos deixares começar...



segunda-feira, 21 de maio de 2012

P.S.

Tens que perceber que quando te digo «Gosto de ti», não é uma coisa simples como parece. É uma coisa cá de dentro, do fundo, do ventre. Para que percebas melhor: cada Gosto de Ti digo-te assim mesmo, esventrada, desnuda, exposta, esquecida de tudo de mim.
Com as horas, os dias, os anos, aprendi - com o tempo, sei -, que há coisas que não se explicam, sentem-se apenas. O Tu e Eu é um desses porquês para o qual me resignei a não haver qualquer tipo de racional.
Dói, fere a cada momento terminado, a cada ausência, a cada limite de nós.
Enche, sossega, cura e cuida a cada momento em que tenho a tua pele na minha.
Meu querido, meu doce, minha paixão, meu Gosto de Ti até ao infinito de mim, meu ser fora do meu corpo, meu interior que vive exposto, meu desejo que corre em mim, minha vontade que nasce desfeita, que será de nós?
Acho que descobri a resposta à pergunta do outro dia, à pergunta de sempre: E afinal que somos nós dois?
Cúmplices.
Somos cúmplices na vida, no que sentimos à for da pele e em cada respirar.
Somos um que é quase um, dizias. Acrescento, agora já sem rir, já mesmo sem sorrir, já mesmo de lágrima apertada num canto do meu Eu: somos Um que rebenta de vontade de ser Um.
Somos os cúmplices que sabem todas as repostas, mas que as calam.
Amar dói. E eu gosto tanto de ti..

Depois de ler um lúcido e acertado texto de Miguel Esteves Cardoso, So Um Mundo de Amor Pode Durar a Vida Inteira
http://www.citador.pt/textos/so-um-mundo-de-amor-pode-durar-a-vida-inteira-miguel-esteves-cardoso

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Som de mim

A música enchia a sala. Estava dentro de mim. No meu peito, no meu ventre, na minha cabeça, na ponta das mãos e pés. Nestes momentos toda eu sou música. Quem me dera viver assim. Com a música em todos os milimésimos de mim.
A voz rouca da fadista, o som pujante das guitarras com a orquestra. A dança eléctrica e contagiante da brasileira. As vozes de tantos num coro só, ao som das cordas e da bateria.
O poder da música. Fecho os olhos e deixo de ser uma pessoa só. Sou muitas e sou nenhuma. Saio do meu físico e vou mais além, pairando sobre o momento.
Com sorte encontro ao meu lado alguém que vive amúsica como eu, de sorriso nos lábios e tremores cá dentro. Que se enche com a música.
Ás vezes não é preciso mais que isto. Nem palavras, nem mais em que pensar. As palavras às vezes magoam, o que pensamos às vezes fere.
Sentir apenas. Ser apenas.
Amar.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Primavera

Brotaste em mim qual desejo em flor
Peguei-te, toquei-te, colhi-te
E enchi-me do teu sabor

Passaste os dedos quentes demais
Na linha funda que me separa
Que me divide em duas metades tão pouco iguais
Uma leve, outra carregada
Uma inteira, outra derrotada
Uma plena, outra desviada

E esta tontura que me acompanha
E este silvo e desvario
São apenas o espelho
Do outro eu, que és tu num corrupio

Esconde-me agora o olhar
Passa a mão num canto meu
Aperta-me num doce embalar
E sossega-me, finalmente, com um beijo teu

quinta-feira, 29 de março de 2012

Arco-Íris


Foram mil gotas de água
Que aqui entraram
Numa corrente
Numa torrente
À procura de quem não encontraram

Chegaram-se aqui à beira
Olharam-me e encolheram-se
Que não as queria
Que não são para aqui chamadas
Não me quero molhada
Não me quero fria e gelada

E elas assim se foram
Sem perceber ao que tinham vindo e ido
Que afinal eu já não era disso
Tristezas já a tive
Choros já não os quero
Vão-se para outros olhos
Outras casas que não a minha
Outras vidas que não esta
Suas mil gotas atoleimadas
Impertinentes
Desencontradas,
Aqui já não têm lugar
Aqui agora já não é assim

E lá se resignaram e foram
Talvez à procura de uma outra eu que já não sou
Talvez tristes por já não me terem
Talvez sozinhas e perdidas
Mas eu é que já não as quero por aqui
Agora são só risos e maravilhas
Alegrias e cantorias
Agora que neste calor de Verão
Acabou-se o que era aflição
E sorrio-me toda enquanto me levas, assim, pela mão

segunda-feira, 19 de março de 2012

História pedida 27 (por Anónimo, com o Mote abaixo referido): Era uma Vez...

PARTE I

Personagens - Enquadramento:

Ela, a loura - Vinte e muitos, barriga redonda, pesada, carregada dos 9 meses que já terminaram há 2 semanas. Cabelo louro, olhos azuis, magra, alta, elegante. Sorriso desmaiado, voz sumida, olhar cheio de mundo dentro.

Ele, o marido - Trinta's, muito moreno, olhar cerrado, sorriso difícil. O charme de um homem superiormente inteligente. Um coração bom, mas pouco dado a manifestações.

A outra Ela, a mãe - Dura, seca, escura, com opinião sobre tudo, áspera, fria. Todos se perguntam que mal lhe terá acontecido na vida para a falta de afecto, a absoluta ausência de calor.

O outro Ele, o poeta - Apaixonado pela loura de barriga redonda,  encantado desde que a via de longas tranças amarelas, de queixo nas mãos,  deslumbrada enquanto o via declamar os seus poemas na aula de português. Ele, o professor poeta. Ele, o preterido.

O Tempo - 1930's

O Espaço - Uma cidade perto do mar. Pode ser Setúbal. Ou Aveiro. Ou algures no Algarve. Mais à frente se decidirá.

O Mote - «Eu nunca tive jeito para peixe de rio...nem jeito nem feitio..»


CENAS DOS PRÓXIMOS CAPÍTULOS:

A Loura tem um parto «verde», o marido deixa-a entregue em agonia às freiras, a mãe vai dizendo às vizinhas, dia após dia após dia que está tudo bem, e o Poeta pondera a sua sorte.

sábado, 17 de março de 2012

Línguas de perguntador

Come closer, closer, yes right here, that's perfect. Now sing me something new, use your sweetest voice, right here, just nearby the bottom of my ear.
Now tell me how you love me. Not how much, but how you love me. I'll show you: I love you deep my love, I love you tight my love, I love you all my love.
See? Easy right? Now it's your turn. I'm not asking you all that much, just need to know if you love me the same way I do love you. Not how much, but the same thing, the same love. Yes. That would be just beautiful.
Your kiss closed in my hand. Your skin touching my lips. The words you don't say laying in your eyes. Yes, I think I know what you mean.

Well, but do I..?

quinta-feira, 15 de março de 2012

Hoje é só assim: Parabéns ao meu marido, pai dos meus filhos, parabéns por ter conseguido hoje o que tanto sonhou, esperou, planeeou; parabéns por ter dado o grande passo em direcção à vida que sempre desejou para si e para nós.
Quem espera sempre alcança, ouvimos dizer desde tenrinhos.. E não é bom - ainda melhor - se a espera for assim tão curtinha como esta?
É bom celebrar, comemorar, felicitar. Há uma palavra que é a que mais me está na ponta dos dedos, à beira da minha boca..não lhe encontro tradução que traga toda a amplitude do seu significado para a língua portuguesa. Fica apenas assim: Enjoy!

terça-feira, 13 de março de 2012

The End

Perdeste-me
sem aviso
sem alerta
sem notícia sequer

Perdeste-me
e fui para longe
sem ti à vista
e renasci mulher

Largaste-me
desabraçaste-me
deixaste-me cair
sem saber o que fazias

Não haverá um tempo-espaço
não se seguirá um depois
perdeste-me tanto imensamente tanto
já não pertences aos meus dias

Perdeste-me, fui
embalada nas palavras duras
na aspereza da tua voz
no tanto que me gritaste
na imensidão do ficar só

Perdeste-me,
perdeste-nos
e o pior, o que aperta fundo
é que eu também te perdi
e me perco assim agora
na ausência de nós dois

domingo, 11 de março de 2012

100ª Mensagem Publicada. Parece-me digno de uma espécie de comemoração


Hoje é dia de festa. Dia de celebrar. Porque se conseguiu, porque se fez. Assim dá gozo respirar. Fundo bem fundo. E Parar.
Parar.
Parar realmente.
Fechar os olhos.
Respirar fundo. Bem fundo. Ir ao fundo de nós.
Abrir os olhos. Abrir os olhos com um sorriso pendurado nos lábios.  Ter um sorriso bem dentro de nós, cheio de vontade de saltar cá para fora.
Aproveitar bem - bem, bem, bem! – as coisas pequenas, os momentos, as relações, as pessoas, os olhares, as emoções. Os gestos, os carinhos impensados, as palavras doces irreflectidas.
Ser genuíno, intenso, verdadeiro. Sentido.
Um suspiro, um desabafo, os risos dos meus amores e todas as sensações assim, tão à flor da pele, mesmo como eu gosto.
Ter o prazer de ter a vida – a vida tal como ela é – com alguém que nos segure a mão sempre que preciso fôr.
As cumplicidades, as intimidades, as palavras já esperadas e conhecer até ao fim.

Encontrar estes momentos para parar. Lembrarmo-nos de respirar fundo de vez em quando.
Lembrarmo-nos de tudo o que é espontâneo, transparente, das coisas boas na ponta dos dedos, dos frios na barriga e, cantando, sossegar as vontades de crescer.
E ter-te a ti a meu lado, para quando eu perguntar "Demorei muito?", responderes com doçura "Demoraste o que tinhas que demorar" e encontrar a perfeição assim.

Parar.
Parar para sentir.
E descobrir como é bom tudo o que temos na palma da mão. E dentro de nós. E depois voar. Voar sobre uma noite, uma praia, o mundo. E dar um abraço apertado, bem apertado à Vida.

sábado, 3 de março de 2012

De ti para mim

Se o rio fosse a lado nenhum
E nós fossemos mais que um
Se o céu gelado
Calasse o teu gesto cansado

Um dia ele te diria
- Ele, o rosto que ruía -
Que o teu corpo houve um dia
Que ao meu já sabia

E as flores desabrochadas
No teu ventre demolhadas,
Cheiram a um pedaço de ti
Que desapertei, provei, comi

Feito bicho
Feito fera
Feito eu
E o que ainda não era

Um esboço
Um princípio
E na curva do teu pescoço
...O início!

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Summertime

O corpo na areia, húmido, salgado. Cinquenta e um mil milhões de grãozinhos ali deixados ao acaso a cobrirem-na, a esconderem-na. Gosta de deixar-se estar assim, abandonada, depois de um mergulho gelado, demorado, que a renova e traz de novo a terra.

Vejo-a daqui, longe, esquecido nas cadeiras de plástico verde que não tocam a areia, essa areia que ela faz de cama e leva para a nossa cama, nestes dias ferventes de Verão. Não gosto disso, da aspereza da areia na minha pele, do roçar na roupa, do sal que tem dentro. Mas ela sim. Como em tudo o que faz. Gosta de se sentir dentro. Assim está dentro do Verão, da praia, do tempo que se atrasa nestes dias que passam iguais. Ela gosta disto, precisa disto. Eu nem tanto assim.

Mas gosto de a ver - deitada, molhada - na esperança de a ter quando chegarmos à casa amarela, de a levar ao duche, lavá-la toda, fora e dentro, secá-la em mim e ficarmos no sofá encarnado até apetecer. Não sei se hoje será um dos dias em que estará para isso. Talvez hoje corra a esconder-se na cama, pejada de areia, sal e essas coisas que não quero em mim, o ritual das uvas frias a entrarem ordeiramente naquela boca que quero. E eu sozinho no sofá encarnado, meio perdido de mim. 

É ela quem nos vive, que sabe o que vai ser. 

Melhor assim. Melhor do que os dias frios em que chego a casa e não a encontro, perdida que anda sempre em telefonemas, noites no computador, comprimidos para dormir, comprimidos para sossegar, comprimidos para esquecer os dias que ainda faltam para voltarmos à areia do Alvor.

Vejo-a em mais um mergulho. Acho que sorrio. Não tarda está a chegar.




terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Nada na manga

Um dia vi um mágico. Tinha uma cartola rosa, largas mangas verdes, sapatos turquesa enormes. Na realidade mais parecia um palhaço que um mágico. Mas era mesmo e era só meu. Naquele dia meu tive um mágico só para mim.

Fez truques indizíveis, fez magias inenarráveis. Eu toda concentrada, compenetrada, séria e sisuda, a admirar a solenidade daquele momento em que finalmente tinha alguma coisa de importante minha e só minha. À minha volta risinhos e gargalhadas, palavras soltas, ocas, que nem conseguia entender. Aquele momento era meu.

Esse dia já vai longe, nem me lembro ao certo quando foi. Ainda não era esta que sou agora, ainda não tinha este peso todo, este carrego de rugas e cabelos brancos. Ainda não tinha estas marcas e cicatrizes, ainda não tinha aquilo que hoje é meu. Pode ser pouco, cabe até na palma da minha mão seca e rude, mas é meu.

Esta vida na cidade cansa-me cada vez mais e já não sei se não vou mas é voltar para casa da minha mãe. Que agora está fria e gelada, portas e janelas fechadas, os bichos a passearem-se por ali, à procura de qualquer coisa que não há.

Não há nem nunca houve, a bem dizer. Tudo ali era escuro, gelado e infimamente pouco.

Mas eu e a minha mãe lá íamos levando os dias, trabalhando muito no campo ralo, as mãos roxas, geladas do frio da madrugada, as noites encolhidas uma na outra, o pouco que havia para comer. Até ela ficar doente e ir-se de vez. E eu sozinha fiz-me à estrada e aqui vim dar.

Este nunca foi o meu lugar. Nem o frio menos frio, o trabalho menos duro, as gentes menos ásperas, nada disto me soube - nem sabe -  a casa.

Tenho andado a pensar nisto há uns dias, se não estará no tempo de voltar. Quem sabe se ainda por lá anda o mágico que um dia me fez corar ao oferecer-me uma desfiada rosa encarnada. Tirou-a da cartola e entregou-a a mim. Para ficares mais feliz, disse ele. E eu, finalmente, sorri o sorriso que nunca tinha experimentado.

Sim, já decidi. É hoje que vou voltar.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Anda


Deixa-me parar junto a ti
Junto ao mar
Antes que a curva se desaperte
Antes que o que há depois
nos venha chamar

Traz-me no teu colo, no teu peito
Conta-me o que houve antes de te encontrar
Deixa a tua mão na minha
Mais um pedaço
Mais um pouco
Vem ver a lua no seu altar

O vento aqui não chega forte
Só a música que nos faz voar
Bem alto até nos perdermos
Do tempo que quer acabar

Sinto-te assim bem perto
(Não sei se até a dançar)
Escondes-te nos degraus vazios e soltos
E pedes-me agora para te encontrar

No dia que faremos nosso
No tempo que vamos desenhar
Vou encostar-me a ti e prender-te
Vamos pela estrada a passear

Vou dizer-te bem alto Anda!
Vais sorrir e acenar
Vens no meu passo demorado
Os dois encontrando sem procurar

Chego-me a ti para dizer-te
o que tenho para te contar
Que a partir daqui e de agora
Não há hora para voltar

sábado, 18 de fevereiro de 2012

História pedida 26 (por M.J. sobre um «abraço»): Vazio de ti

Conto cada salto do ponteiro encarnado no relógio da cozinha. Conto cada segundo que falta para te ter. Sem hora marcada, sem dia definido. O dia em que voltarás a esta casa, às nossas crianças, ao cão que não pára de uivar desde que te foste, ao meu abraço que desespera.

Já não sei há quantos dias foi, já não sei como te foste.Um dia enchias o nosso mundo - eras o nosso mundo! -  e no outro acordámos sem ti. Vazios e tristes. Eu, a casa, as crianças, o cão e até estes meus braços que não sabem o que fazer agora.

Dizem que te viram ao longe, que ias no sorriso de um cavalheiro qualquer. Não sei, não quero acreditar. Acima de tudo não quero ver, não quero sentir, não quero perceber. Não quero adivinhar. Não preciso dos porquês, nem dos como's e muito menos do «quem».

Quero apenas que o ponteiro encarnado corra mais rápido, que salte veloz entre os números, que me traga num instante o dia em que sentado cá dentro te vou ver lá fora enrolada na relva com as crianças, o cão, todos no teu abraço, enquanto cá dentro sorrio porque tudo está bem e a perfeição voltou aos nossos dias.

Prometo que desta vez, quando pousares a mão no meu ombro, vou reparar, vou sentir a pressão da ponta dos teus dedos, o adeus que me queres dizer. Desta vez vou saber exactamente o que fazer. Vou abraçar-te, apertar-te bem, encaixar-te em mim. E não te vou largar.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O Criador

E finalmente pôs-se assim, dobrado, soçobrado, encolhido, tolhido em si, descoberto e desnudo, só, abandonado.

Deixou, na sombra colada aos pés, os restos do momento que passara, da vida que se perdera, do dia último dos dias, da triste vontade de perder. Desmaiou-se assim em si mesmo, suspirou o último fôlego, o último adeus.

Parou o tempo no relógio e lá fora, criou um tempo-espaço só seu. Deitado sobre si, do seu corpo, do seu nú, dos seus braços recolhidos ao peito. O cabelo colado à testa, molhado, suado, orvalhado, atirado num gemido, quebrado e desalinhado.

Lá fora todos os sons, toda as vidas, todos os pedaços de si. Lá fora para lá do muro, do seu muro cinzento e frio, passam os outros mundos, os outros eus de que agora não quer nem perceber o vulto, muito menos o olhar.

Precisa arrastar-se assim, esgotado, vazio, oco no centro, para se poder renovar. Ganhar nova pele, novas asas, novos mundos inventados, novos sentidos e emoções.

Talvez seja até uma lágrima que brilha na penumbra, talvez o último resto de si naquela noite.

Amanhã erguer-se-à de novo, sempre uma e outra vez, num novo Eu, um novo corpo, uma nova luz, num sentir que não conhece fim. E assim seguirá vibrando enebriado até ao encerrar do próximo espectáculo, até ao som dos aplausos se gastar, até retirar a pele que nessa noite se tornou gasta e deixar-se ir colado ao fundo de um quarto qualquer. Para na manhã seguinte começar de novo a Criar.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

História pedida 25 (por Anónimo, com título:) Chuva de estrelas)


De braço estendido no ar, espera sozinha no escuro. Não há cenários, nem cor, não há palavras, nem gente. Sozinha está e sente-se bem assim. Encostada no seu sofá encarnado, à espera da manhã que há-de chegar. Sem pressas, de mansinho.

Com cuidado poderíamos perceber-lhe o sorriso começado, os olhos fechados, o corpo abandonado. Com aquele longo braço escuro, pendido do sofá, pendido dela.
As cortinas verdes, salpicadas de flores minúsculas, são translúcidas no escuro, são asas da sua janela. Para lá do vidro as luzes dos carros que teimam em passar. A esta hora imprópria, despropositada.
Tenta ver as estrelas cadentes que anunciaram para esta noite. Tem tantos desejos por pedir... E terá direito a um por cada uma que riscar o céu.

Sorri porque gosta do silêncio, do som nenhum, do vazio que compensa os dias cheios que lhe roubam o espaço, o tempo, a vontade de pensar.

E sorri porque se lembra da grande chuva de estrelas que viu há tantos anos e tantas vidas atrás, embrulhada num cobertor, encostada à mãe, no escuro céu de Sagres. Nesse dia pediu apenas - 1000 vezes por cada uma das 1000 estrelas que se perderam -, para ser feliz.

Por isso agora que vê a primeira estrela gorda, grande, branca, a riscar o céu, sorri. Sorri bem de dentro de si, com o seu corpo, os seus olhos, a sua boca redonda, o seu braço desencontrado. Sorri porque afinal já não tem mais nada a pedir. Está tudo perfeitamente perfeito assim.



quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Meiguice (resposta ao «desafio» da quinzena do Amor no blog Xaile de Seda)

amor és tu
tu nos meus passos
tu em mim

amor somos nós
de mãos enleadas
de corpos entrelaçados

amor sou eu
contigo nos meus olhos
contigo sempre

amor é o salto
que juntos damos
mais alto
mais longe
num arrepio carregado de vento

amor é este segredo que te canto
em que te embalo
em que te prendo
meigamente
no sol dos nossos dias

amor és tu
amor somos nós
amor sou eu
num salto
em que canto

a história da história de nós






terça-feira, 31 de janeiro de 2012

SMS's - II

Então...?
Que queres?
Que me digas qualquer coisa.
Já não sei que mais te hei-de dizer.
Diz-me uma coisa doce.
Gosto de ti.
É bom, mas podia ser melhor.
Gosto muito de ti.
Ainda não chega...
Queres demais.
Porque só assim é bom a sério, mesmo.
Penso em ti a cada segundo.
Bom, bem bom...
Agora já chega.
Mas ainda falta tanto!
Demais.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Num dia de Domingo

Sentou-se, abriu a boca lentamente e saiu uma longa argola de fumo. Se há coisa que sempre a atrai no acto de fumar são aqueles desenhos esvoaçantes, diáfanos, quais medusas e ainda mais quando o via fazer um coração. Coisa infantil aquela, mas a que sorria sempre. Olhava-o então, ele a fumar, ela cara virada para não sentir aquele cheiro a cigarros que tanto a incomodava.

Durante uns tempos sonhou que fumava e acordava com uma inconcebível vontade de pegar num cigarro e esfumá-lo todo num àpice. Mas, depois, o sabor dos beijos dele lembravam-na o amargo que era aquele vício quente que não despega.
Entre eles sempre um cigarro. Apesar de ele saber das asmas dela, do nariz tapado, do engolir em seco para não lhe pedir mais uma vez que deixe de fumar. E sempre a história do avô que morreu sem ar, pulmões queimados pelos tantos cigarros de tantos anos, da tosse que parecia que o ia levar a cada instante, da fraqueza em que andava já meses antes de morrer. Da despedida que não aconteceu. Do imenso que ainda queima esse adeus por dizer. Da carta que deixou ao lado do caixão - palavra feia esta, coisa feia, coisa sem jeito nem sentido - com o que devia ter dito com a mão na mão fria do avô. Mas que não conseguiu.

Ele agora vê-lhe a sombra nos olhos e no gesto, afoga a beata no copo de vinho, puxa-a para ele, encosta-a si, aperta-a, sossega-a, diz-lhe baixinho "tenho aqui uma coisa para ti", abre devagarinho a boca e ela vê sair um coração transparente, leve, esvoaçante, só para si.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A História com um título interminavelmente longo

Estou capaz de jurar que hoje às 5h30 da madrugada, em plena Lisboa, ouvi um galo a cantar. Mas como, senhores, se aqui não há mais que prédios e, na melhor das hipóteses, alguns relvados e parques infantis?

E isto porque o meu mais pequeno teima em desafiar todos os manuais e bíblias pediátriacas e, quase a chegar ao primeiro ano de vida, ainda acorda duas vezes  por noite  (se a coisa correr bem) para beber o seu leite. E isto já passando à frente das três semanas em que teve que beber o seu referido leite à colher - sim, é verdade, ao que uma pessoa pode chegar - por ter ganho uma inexplicável e, a meu ver, infundada aversão ao biberon. Agora, de repentemente, reconquistou-o, sabe-se lá como nem porquê; mas eu ando a agradecer efusiva,entusiática e frequentemente a todos os santinhos pelo facto - consumado.

Mas então que Eu ouvi um ga-a-aliiiinhoooo as 5h30 da madrugada (isto assim até quase que dava uma cantiga) e fiquei entre o espantada e o siderada. E enternecida, para dizer a verdade. Coisa misteriosa e sem aparente justifição, ao fim dos 10 anos em que já estou nesta casa, de repente dar com fauna campestre assim tão perto.

Se calhar alguém se lembrou de pôr um galo na marquise (será?), quem sabe se não por causa da crise (será?), talvez o galo todo dia fugindo gritando «ai cuidado não me pise!» (será?) que isto de viver num apartamento é coisa apertada, com falta de largueza, com falta de ar.
Como a bolacha maria da praxe, decido-me por mais outra porque já não posso com toda a gente a dizer-me que estou muito magra, que até estou, corro a enfiar-me na cama, puxo os 4 edredons e 11 cobertores, porque são tempos gelados estes e ponho-me sossegadinha a ver se o mais pequeno não se lembra de vir outra vez com a sua chantagem emocional-o-psicológica-o-tortural a obrigar-me a deitá-lo ao meu lado, na minha almofada, no meu abraço, e a fazer-me acordar de 30 em 30 minutos com mil formigas rabigas (o que será isto de ser rabiga? Não faço ideia, mas soa-me a coisa que não me importava de ser) a subirem-me braço acima e a descerem-me braço abaixo num corropio.

Mas então que faço uma coisa muito mais inteligente do que sossegar e pôr-me a dormir as poucas horas de sono que ainda me restam para hoje. Ponho-me a escrever. E, se não tivesse a minha sra.dona racionalidade a buzinar-me nos ouvidos vai para mais de 30 minutos, ainda deixaria sair mais e mais destas palavras que se me brotam de dentro para fora, até me esvaziar e assim ficar mais leve para adormecer. 

Mas fico-me pela curta história do galo que acordou cedo, algures no meio de tanto cimento e betão, espantou-se e fez-se ouvir, perguntando-nos alto e bom som «Mas que será que estou aqui a fazer..?» e nós a encolhermos os ombros, virarmo-nos para o lado e a, finalmente, adormecer.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

História pedida 24 (por Marta M. com o título:): Life Changes

Venho dizer-vos que me vou embora. Vou sair daqui. Vou mudar.
Vou mudar tudo. O cabelo, a roupa, os dias e até as horas. Vou mudar de sítio, de casa, de país.
Vou mudar o que fazia, vou mudar o que vivia, vou mudar o tudo que era eu.
Vou com o meu amor, com as minhas crianças, com os sonhos de um mundo diferente. Com a vontade de aventura. De não ser a mesma, de descobrir uma nova Eu.
Vou-me embora para outros ventos, outras gentes, outros cheiros.
Vou-me embora para um novo caminho que não sei onde me levará.
E que bom que isso é. Um caminho que me leva para longe desta vida desapaixonada que nos vai consumindo os instantes, as emoções e o respirar. Longe deste ser igual aos outros, deste caminho já conhecido, deste tempo fugidio.
Vou ver os meus meninos a crescerem em liberdade, com ar e sem fronteiras, a pertencerem ao que sentem, a quererem um pouco mais, a saberem muito mais.
Vou à procura do sonho por inventar, das cantigas das crianças na sombra das àrvores dos meus novos dias.
Vou à procura sem ter que procurar.
Vou apenas. Vou.
Não quero despedidas, nem lágrimas, nem abraços que agarram.
Quero apenas ir. Para, quem sabe, um dia voltar.


A desejar à minha querida Marta a maior sorte e felicidade na sua aventura.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Cantiga do suspiro

Um sopro, breve, fugidio, solto.
Um vento que me correu por dentro, louco
numa ansia de voar.
Uma dança de quem não quer parar,
um braço estendido, um arrepio de quem esqueceu respirar.
Uma perdição sem me perder,
um gesto gasto em prazer.
Um pedaço de nós que se soltou,
fez-se ao mundo, ganhou vontade, voou.
A sombra na janela fez-me parar,
encho a alma e o peito,
vou recomeçar.
Não sei que foi que me deu,
mas sei que no fundo deste suspiro tudo é meu.

domingo, 15 de janeiro de 2012

HIstória pedida 23 (por Anónimo, com título:) O menino de sua mãe

Alexandrina teve cinco filhos. Todos eles homens.
Foi tentando, tentando e desistiu ao quinto rapaz. Não teria a menina cheia de laçarotes e vestidinhos mimosos. Assim, o quinto rapaz andou de roupa folhada, aprumada, cabelinho penteadinho em cachos, fofos bonecos de peluche e outras mimosices que tal.
Claro que cresceu no colo da mãe e no escárnio dos irmãos e da vizinhança.
Contra todas as expectativas fez-se muito homem e muito macho, capaz de fazer frente a qualquer grupo de meliantes mal intencionados ou até rufias malandrões. Mantinha era aquele primor no vestir, no pentear e até uma certa dengosidade no falar. Perfeito, diria a mãe, em jeito de desculpa por tantos anos a fazer dele a filha-boneca que não chegara a ter.
O pai, depois de tantos anos de consentimento calado, cada vez que via o filho ajeitar com a ponta do dedo o caracolinho maroto para trás da orelha, dizia-lhe em surdina: «Tu amaricaste-me o miúdo Alexandrina, ai amaricaste, amaricaste!»
Mas depois sossegavam quando o viam andar pelo talho, negócio da familia, a pôr os empregados na ordem cada vez que se demoravam mais num cigarro ou deixavam uma freguesa por atender: «Oh Ramiro, tu vê lá se queres mas é uma chapadona nas ventas à portuguesa qu'é p'ra veres o qu'é bom p'ra tosse!».
E aí suspiravam de alívio, em uníssono, perante a voz grossa e possante e esqueciam o avental impecavelmente branco e a cheirar a àgua de colónia.
Todas as dúvidas se dissiparam no dia em que o rapaz se filiou na claque dos Super-Dragões, do FêCêPê do seu coração. Agora o pai mostrava a todos, orgulhoso, as fotografias nos jornais com o seu filho a encabeçar aquela malta viril e enraivecida:  «Isto é que é um homem com H maiúsculo, o meu rapaz!»
A mãe contorcia-se, mordia-se, rangia-se para não confessar que ainda no outro dia tinha visto o seu menino a sair pela porta dos fundos, de mão dada com o Marcelino da retrosaria, a quem todos chamam jocosamente de Madame Marcela.
É deixá-los estar, pensava. Amanhã é dia de jogo no Dragão e o meu menino lá vai comandar as suas tropas, de pelos de peito de fora e caracolinho bem penteado. E viva o futebol!

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Um dia

Um dia hás-de contar-me de ti.
E promete-me que vai ser sem invenções, malabarismos, nem desejos mal disfarçados.
E diz-me que vais ser tu do princípio ao fim, sem máscaras, sem quereres mais que os quereres que são naturalmente teus, sem véus, sem outros que não tu dentro de ti.
Nesse dia que me contares assim tudo, mesmo tudo, vou pousar a minha mão em cima da tua, da tua perna ou do teu cabelo e vais perceber afinal que quem mais sabe de ti sou eu. Porque tu me deste esse mistério desvendado, porque me deixaste entrar assim tanto em ti.
Nesse dia nem vou deixar a porta aberta, para mais ninguém poder entrar.
Vou querer-te toda tu só para mim, toda tu, toda nua de tudo que não tu, despida e arrepiada na minha frente para eu te poder olhar. E ver. E ouvir. E sentir. Tu, toda tu, toda minha. 
E então vou dar-te o abraço mais perfeito, dizer-te as palavras mais ternas, levar-te dentro de mim para sempre, para sempre e sempre, tu, toda tu, toda minha, bem apertada no mais fundo de mim.
Esse dia vai chegar um dia e não me faças esse abanar de cabeça a dizer-me que não,  porque eu sei que um dia vai ser esse dia em que finalmente te vou ter toda para mim e eu vou enlaçar-te, vou prender-te e tu, toda tu, toda minha, não vais desaparecer mais assim.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

No teu colo

Fica.
Onde?
Aqui.
Aqui, assim?
Sim, assim. Exactamente assim.
E para quê?
Para encostar o meu corpo ao teu, mais nada.
Tudo bem. Mas vai demorar muito?
O quê?
Essa tua vontade.
Depende.
Do quê?
De ti.
Como assim?
Pode ser que me faças ter ainda mais vontade de ti.
E como é que eu faço isso?
Quando olhas para mim assim, por exemplo.
E mais?
Quando me apertas assim, por exemplo.
E já chega?
Sim, mas se puderes fica só mais um bocadinho.
Então?
É que agora é a promessa de ti que me está a prender ainda mais.
Tudo bem, eu fico mais um bocadinho.
Perfeito.

E encaixou-se de mansinho no colo dele.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

História pedida 22 (por UmJeitoManso, excerto de poema de Ricardo Reis): Violetas em flôr

"Vem sentar-te comigo Lídia, à beira rio?" "Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos / se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias / mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro / ouvindo correr o rio e vendo-o." Ricardo Reis

À beira do rio nacem
bioletas ao cumprido,
já me bieram dijer
que querias cajar comigo

As moças ainda se ouviam lá ao longe, enquanto os dois se entretinham a encontrar-se. Nos olhos, nos cheiros, na pele e nas mãos um do outro. Os dois muito morenos, ela bem bonitinha, rosadinha, carnudinha; ele bem robusto, rijo, forte como todo homem da terra deve ser.
Era dia de lavar a roupa nas lajes do ribeiro e as moças subiam as saias acima dos joelhos para não se encharcarem. Sabiam que os rapazes as espreitavam no cimo da ponte de pedra - romana, diz o Ti Amilcar coçando a longa barba - e nestes dias os cabelos apareciam mais escovados e os vestidos mais cavados.

Mas eles os dois conseguiram perder-se dos outros, tal como ele pedira no papel sujo que lhe entregara na fila para a comunhão no domingo. Ouviam as moças a cantar, a roupa a ser torcida e estendida e até lhes chegava o cheiro a sabão, mas estavam num canto, num momento só seu.

"Que estás a fazer?", perguntou-lhe sentindo o olhar dele desaparecido para dentro da sua pele.
"Estou a conhecer os cantos à casa".
Ela sorriu porque isso lhe pareceu coisa solene, séria, coisa que parecia antever um futuro bem prolongado.
Os pés molhados pelo ribeiro, tocavam-se dentro de água, a mão na mão, o sorriso de um no rosto do outro.
O suspiro do prazer mais puro e sentido.

"Casa comigo Lídia"
"Não estás a falar a sério Juca. Não se brinca com essas coisas."
"Não estou a brincar. Quero-te para mim. Quero poder gritar a todos, lá do alto daquela ponte tão velha, que és minha, a tua voz que canta tão doce é minha, os teus olhos escuros são meus, as tuas ancas redondas são para mim, as tuas pernas frias, molhadas quem as beija sou eu".

Inclinou-se e beijou-lhe a ponta do nariz rosado.
E ela disse Sim.