Um desafio aos leitores!!

Já que umjeitomanso.blogspot.com me «anunciou» enquanto Contadora de Histórias, vamos lá pôr-me à prova! Quem se interessar, envie-me email (diazinhos@gmail.com) ou deixe comentário num dos textos, com uma palavra ou frase que me «inspire» para um próximo texto. A ver se pega e a ver se estou à altura..

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Rua das Flores, número 2, 3º direito

Vejo-os da minha janela. Os prédios nesta rua estão colados; ouvimos o que dizem os vizinhos. Ou pelo menos parece-me que os ouço.
Ela enrolada em si mesma, os braços nas pernas, a cabeça nos joelhos, encaixada num canto do sofá encarnado (como o vestido que a aperta).
Foi sentar-se longe dele. Ele parece nem a ver. Fuma. Gosto de o ver fumar. Gosto quando se põe a fazer diáfanos corações de fumo branco para ela. Gostava que fizesse um para mim.
O cabelo negro pendurado, as mãos pequenas cravadas uma na outra, a voz que sai num suspiro.
Ela nesta inquietude, querendo sem querer ao fim de tantos anos. Não vê o quanto ele a quer, naquela maneira de querer, desprendida e sem verbo, mas querendo-a tão profundamente, tão dentro de si, tão para sempre. A verdade é que não a quer só a ela, não, aquele é um homem desassossegado, não se contenta só com aqueles cabelos negros, nem o corpo ainda ginasticado, nem aquela pele macia. A ele basta-lhe aquela vida pela metade.
E eu sei porquê.
No outro dia encontrei-o aqui na rua. Viu-me. Percebeu que sou aquela que os vê atrás das cortinas floridas, sem pudor nem jeito, mesmo quando estão nús no sofá encarnado. Aquela a quem ele piscou o olho entre os Ais da mulher de cabelo preto desarrumado, aquela que sempre procura na janela assim que a noite desagua entre os prédios colados.
- Um dia vou ter-te ali comigo. Mas contigo vou ficar. Contigo vai ser tudo por inteiro, vou levar-te ao altar.
E eu sorri e disse que sim, que o esperava, já nem falta assim tanto para os meus dezoito anos. Vou aprendendo com eles, vou vendo, vou conhecendo cada peça dele e um dia vou ser eu naquele sofá encarnado. Se for preciso até pinto de preto carregado estes cabelos amarelos, de preto bem carregado como os olhos dele que me fizeram aquela promessa mesmo sem o dizer. Mas eu sei, eu sei que foi isso que aquele «Bom dia» me quis prometer. Isso e o coração esfumaçado que me deixou no ar.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Dias quentes

Pé-ante-pé na areia molhada, o calor desce até uma parte desconhecida de mim, um sítio perdido ali, algures entre o fim das costas e o princípio de uma curva que me acompanha de baixo para cima; sítio onde os meus amores gostam de descansar. Os meus pés na água fria gelada dormente. Os risos que andam no ar. Eu grande com vontades de ser pequena. Não é por nada, mas só porque sim. Um dia hei-de ser criança, um dia hei-de ser tão pequenina que hei-de caber na palma da tua mão, eu toda encolhidinha e encaixada na concha dessa tua mão grande e pesada. Hás-de levar-me a passear e eu toda feliz e protegida no côncavo da tua mão que cheira a nós. (O mar é o meu amigo de sempre. Os meus melhores sonhos são com o mar, eu no mar, eu sem limites nem fronteiras, fundida na água salgada e fresca.) Talvez já saibas onde isto me vai levar, onde talvez até nos leve aos dois. Mas eu não sei. E gosto desse desconhecido, do querer descobrir, do caminho que fazemos e que se fará. Fico de sorriso marcado, pensando no pé-ante-pé que faremos, nos risos das descobertas, na perfeição a que chegaremos - ou não. Não me preocupa. Posso saltar até da concha da tua mão, para a beira do teu ombro largo e forte e deixar-me por lá a balançar as pernas no alto, o fresco no cabelo, areia nas minhas esquinas e o sabor a mar ainda dentro de mim. Um dia vou ser pequenina só para tu me poderes levar assim.