Elogiei-lhe a fatiota aprumada de hoje. Camisa preta, gravata de riscas azuis claras, blaser castanho com quadradinhos encarnados (seria?). Ele a sorrir-se todo: Gosta dótôra? é que eu escolho tudo a condizer! E eu sem conseguir vislumbrar o que é que condizia ali e com o quê. Nada, claro. Mas ele feliz. Agora que anda de óculos novos até parece mais bem-posto, mais senhor de si. Não fossem a magreza extrema, a sujidade das mãos com que hoje apertou a minha e os dentes inexistentes e/ou mal tratados, até passaria por um de nós. Seja lá o que for isto de «ser um de nós». Mas é um mero arrumador de carros, estimado é certo, mas nesta vida indigente, a ter que pedir moedinhas, a esforçar-se por mostrar que se esforçou mesmo quando só aparece quando já estamos de saída.
Para que estou a escrever tudo isto? Ainda para mais já escrevi sobre ele outras vezes.
Eu não sei bem o que é, mas acho que sou eu com vontade de descobrir nele uma história avassaladora, uma coisa digna de filme, uma daquelas que nos deixa numa choradeira desatada, uma revelação extraordinária que mostre que afinal ele é mais do que isto ou que algum dia foi. É curto isto. Mas na verdade ele agora até me parece feliz. Se calhar afinal até não é má de todo a vidinha que leva.
No outro dia dizia-me, Dótôra hoje despeço-me já porque vou sair mais cedo qu´hoje dá o meu Sportem na televisão. Ou vejo-o pegar no Peugeotzinho velhote (pasmei-me quando descobri que até carro tem!) e me atira òh Dótôra isto hoje está muito frio e apetece-me é ir para casa sossegado..! E é estranho isto, porque ele tem esta liberdade, este afoitamento, este entusiasmo a falar connosco, seus cliente habituais, nós que nos queixamos, eu que murmuro um Desculpe lá, porque só tenho uma moeda pequenina para lhe dar – e ele Deixe lá isso Dótôra, então a gente não se conhece aqui de todos os dias? - e lá vou a resmungar porque hoje apetecia-me mesmo era estar em casa enrolada com os meus meninos, porque está um dia cinzento e frio e não há melhor que o calor dos risos deles em mim.
E a verdade, como se sabe, é que não há moedinha que pague nem um bocadinho disso.
Sem comentários:
Enviar um comentário