Vejo-os da minha janela. Os prédios nesta rua estão colados; ouvimos o que dizem os vizinhos. Ou pelo menos parece-me que os ouço.
Ela enrolada em si mesma, os braços nas pernas, a cabeça nos joelhos, encaixada num canto do sofá encarnado (como o vestido que a aperta).
Foi sentar-se longe dele. Ele parece nem a ver. Fuma. Gosto de o ver fumar. Gosto quando se põe a fazer diáfanos corações de fumo branco para ela. Gostava que fizesse um para mim.
O cabelo negro pendurado, as mãos pequenas cravadas uma na outra, a voz que sai num suspiro.
Ela nesta inquietude, querendo sem querer ao fim de tantos anos. Não vê o quanto ele a quer, naquela maneira de querer, desprendida e sem verbo, mas querendo-a tão profundamente, tão dentro de si, tão para sempre. A verdade é que não a quer só a ela, não, aquele é um homem desassossegado, não se contenta só com aqueles cabelos negros, nem o corpo ainda ginasticado, nem aquela pele macia. A ele basta-lhe aquela vida pela metade.
E eu sei porquê.
No outro dia encontrei-o aqui na rua. Viu-me. Percebeu que sou aquela que os vê atrás das cortinas floridas, sem pudor nem jeito, mesmo quando estão nús no sofá encarnado. Aquela a quem ele piscou o olho entre os Ais da mulher de cabelo preto desarrumado, aquela que sempre procura na janela assim que a noite desagua entre os prédios colados.
- Um dia vou ter-te ali comigo. Mas contigo vou ficar. Contigo vai ser tudo por inteiro, vou levar-te ao altar.
E eu sorri e disse que sim, que o esperava, já nem falta assim tanto para os meus dezoito anos. Vou aprendendo com eles, vou vendo, vou conhecendo cada peça dele e um dia vou ser eu naquele sofá encarnado. Se for preciso até pinto de preto carregado estes cabelos amarelos, de preto bem carregado como os olhos dele que me fizeram aquela promessa mesmo sem o dizer. Mas eu sei, eu sei que foi isso que aquele «Bom dia» me quis prometer. Isso e o coração esfumaçado que me deixou no ar.
Ela enrolada em si mesma, os braços nas pernas, a cabeça nos joelhos, encaixada num canto do sofá encarnado (como o vestido que a aperta).
Foi sentar-se longe dele. Ele parece nem a ver. Fuma. Gosto de o ver fumar. Gosto quando se põe a fazer diáfanos corações de fumo branco para ela. Gostava que fizesse um para mim.
O cabelo negro pendurado, as mãos pequenas cravadas uma na outra, a voz que sai num suspiro.
Ela nesta inquietude, querendo sem querer ao fim de tantos anos. Não vê o quanto ele a quer, naquela maneira de querer, desprendida e sem verbo, mas querendo-a tão profundamente, tão dentro de si, tão para sempre. A verdade é que não a quer só a ela, não, aquele é um homem desassossegado, não se contenta só com aqueles cabelos negros, nem o corpo ainda ginasticado, nem aquela pele macia. A ele basta-lhe aquela vida pela metade.
E eu sei porquê.
No outro dia encontrei-o aqui na rua. Viu-me. Percebeu que sou aquela que os vê atrás das cortinas floridas, sem pudor nem jeito, mesmo quando estão nús no sofá encarnado. Aquela a quem ele piscou o olho entre os Ais da mulher de cabelo preto desarrumado, aquela que sempre procura na janela assim que a noite desagua entre os prédios colados.
- Um dia vou ter-te ali comigo. Mas contigo vou ficar. Contigo vai ser tudo por inteiro, vou levar-te ao altar.
E eu sorri e disse que sim, que o esperava, já nem falta assim tanto para os meus dezoito anos. Vou aprendendo com eles, vou vendo, vou conhecendo cada peça dele e um dia vou ser eu naquele sofá encarnado. Se for preciso até pinto de preto carregado estes cabelos amarelos, de preto bem carregado como os olhos dele que me fizeram aquela promessa mesmo sem o dizer. Mas eu sei, eu sei que foi isso que aquele «Bom dia» me quis prometer. Isso e o coração esfumaçado que me deixou no ar.
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