Um desafio aos leitores!!

Já que umjeitomanso.blogspot.com me «anunciou» enquanto Contadora de Histórias, vamos lá pôr-me à prova! Quem se interessar, envie-me email (diazinhos@gmail.com) ou deixe comentário num dos textos, com uma palavra ou frase que me «inspire» para um próximo texto. A ver se pega e a ver se estou à altura..

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Uma forma de Assim

Chegava a casa feliz. A Dona Leonor dava-nos, a mim e ao meu irmão, uma vianinha carregada de manteiga e um copo de leite. Naquele tempo ainda não comíamos iogurtes a metro como agora, nem pão escuro com cereais ou barras de coisas integrais.  Devorado o lanche, desaparecia para o meu canto. A mãe deixara sempre um espaço entre o sofá encarnado e a grande janela que dava para a varanda. Nos dias de calor havia uma fresta aberta e o cortinado branco dançava incansável. Se há coisa que me faz sorrir é lembrar do bem que sabia deitar-me atrás do sofá, sentir a madeira fria e dura na cara, nas palmas das mãos e imediatamente adormecer. Memória boa que dá vontade de voltar para trás do sofá, tantas décadas depois. (Não será por acaso que, nos momentos mais doídos, é no chão que me deixo a chorar. Choro muito, muito, faço tudo para chorar o mais que tenha por dentro. Esvazio-me, para depois recomeçar. Esvaziar e voltar a andar. Já há muito que não acontece e ainda bem e que assim continue e bate três vezes na madeira e não se fala mais nisso)

Muitas vezes acordava já no escuro e não havia nada melhor.  Corria para o quarto da mãe. Tinha que ser depressa antes que ela chegasse e descobrisse o segredo. O camiseiro de madeira escura escondia mil vestidos de princesas. Leves, com folhos, fitinhas e laços. Os preferidos: um branco etéreo com uma fita azul clara no decote e um rosa com folhos de cima a baixo. Nunca vira a mãe com aquelas camisas de dormir e ainda bem porque, assim, vestiam-me de histórias de meninas e fadinhas sem ninguém desconfiar.

Não sei porque não tenho uma camisa de dormir de folhos e fitinhas. Não sei porque deixei de escorregar para o chão numa sesta fresca enquanto o cortinado branco da minha sala dança sobre mim. Não sei porque já não como vianhinas carregadas de manteiga, nem porque os dias acabam mal estão a começar. Estou aqui mas ainda lá estou -- também. 

Fecha os olhos e ouve-me baixinho no canto da tua orelha: 

Gostava que te deitasses comigo num chão de madeira fresca, de mãos dadas, talvez só mesmo as pontas dos dedos a tocarem-se, talvez mesmo sem uma palavra sequer. Vais queixar-te das costas, do tempo que já passou, do frio na pele, mas eu não quero saber, porque volto a ser pequenina, ao teu lado. Assim.


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