Um desafio aos leitores!!

Já que umjeitomanso.blogspot.com me «anunciou» enquanto Contadora de Histórias, vamos lá pôr-me à prova! Quem se interessar, envie-me email (diazinhos@gmail.com) ou deixe comentário num dos textos, com uma palavra ou frase que me «inspire» para um próximo texto. A ver se pega e a ver se estou à altura..

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Reforma antecipada

Estavam sentados lado a lado. Quase que se tocavam. Quase. Entre eles um suspiro. Um suspiro como fronteira, muro, limite. Era um suspiro espesso, pesado, denso. Com muitos anos dentro.

Começaram ao mesmo tempo, no mesmo dia, na mesma hora, na mesma cirurgia. Ela com as mãos a tremer. Coisa rara, uma mulher cirurgiã. Ele com o coração num sobressalto. Coisa rara, um enfermeiro instrumentista.

Ouviram as mesmas risadas, as mesmas palavras trocistas, a mesma arrogância. Juntos, sem precisarem de conversas nem muitas palavras, destroçaram os preconceitos, os escárnios, os medos. Aprenderam a entender-se só com o olhar. Por baixo da roupa verde, da máscara que tornava todos iguais quando no bloco e sob a luz gélida do pantoff, só precisavam do olhar para terem longas conversas. As cirurgias até hoje, ao fim de 31 anos, ja tinham o seu ritmo próprio, o seu método, a sua ciência. Exacta. Ela não precisava pedir o bisturí ou o fio de sutura. Já o tinha na mão estendida.

Assim como ele a apertou num abraço no dia em que a mãe dela morreu. O abraço que o corpo dela tanto pedia, os olhos suplicavam, mas as palavras calavam. Ou quando ela lhe tocou a mão no dia em que a mulher o deixou. A mesma mão que fugiu do enlace dele quando a tentou prender. Era um para sempre longínquo de mais e os filhos dela ainda pequenos demais.

Hoje era o último dia de trabalho. A reforma chegara para os dois. Agora e aqui o seu casamento de todos os dias acabava.A despedida tambem não precisou de palavras. Só um olhar pesado, suspirado, que disse tudo.

Mas eles ainda ali estão. Demorados, sentados, quase colados. Sem vontade de ir. Sem quererem acabar.

Sem coragem para começar.

3 comentários:

  1. Sem coragem para começarem uma outra vida, longe do contacto diário, da compreensão mútua, dos olhares cúmplices...

    Mais um lindo texto cheio de significados.

    Bj

    Olinda

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  2. Lindo Texto!
    Quem sabe, ainda não seja tarde? Ou talvez, ainda bem que seja tarde.
    Quantas vezes, um amor só é amor, quando não se concretiza?
    Pode-se sonhar sempre, com uma ilusão. Só a desilusão faz sofrer.
    Gosto de histórias sem fim. Fazem sonhar.
    Maria

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  3. Caras Olinda e Maria, mais uma vez muito obrigada pelos vossos comentários! Desta vez fizeram-me sorrir: engraçado como uma história pode ter tantas interpretações diferentes, dependendo de quem as lê!Eu que a escrevi a imaginar aqueles dois definitivamente sem coragem para começarem uma vida a dois, mas a demorarem-se a assumi-lo; gostei de ver como as duas interpretaram à «vossa maneira». Gosto muito da companhia das duas por aqui!
    Obrigada!
    M.

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