Foram tantas as portas a que bati, tantos os nãos que ouvi. Até chegar aqui. Mas não é assim que esta história começa. Pelo menos não por agora.
Cresci no meio de máquinas fotográficas, negativos, objectivas, e casas de banho às escuras para revelarmos por magias encantadas os trabalhos do meu pai. Cresci maravilhada com este mundo fantástico. Com estendais de fotografias a encherem-nos a casa, os corredores, os quartos e a vida, momentos de outros e de outros mundos, casamentos e guerras, chacinas e aniversários, pessoas de sítios tão longe que nem do alto do meu pequeno mundo conseguia imaginar. A cada momento que o meu pai passava em casa - sim, porque eram tão poucos - desenhava-me com a sua voz profunda e cansada as aventuras que acabara de viver, as vidas que acabara de conhecer.
E dizia-me sempre que um dia, um dia haveria de conseguir a fotografia de uma vida, aquela que lhe traria o reconhecimento e que o permitiria finalmente sossegar, não falhar-me um colo nas constipações, um beijo nos aniversários, nem um gesto a cada dia do que fui eu a crescer.
Uma noite, depois de muitos dias sem ti pai, a mãe chegou-se ao pé de mim de voz pesada e olhos no fundo do chão. Que não ias voltar mais. Que não iríamos saber mais de ti, nem das vidas que andavas a viver, nem dos mundos em te andavas a perder de nós.
Cresci e fiz minha uma das tuas máquinas. Fiz para mim um bocadinho da tua vida. Tendo andado a correr mundo e histórias à espera de conseguir ser um bocadinho de ti. Foram tantas as portas a que bati, tantos os nãos que ouvi. Até chegar aqui.
Tudo por causa de uma madrugada de confusão e dor, em que dei por mim meio perdida - não estou ainda habituada a isto, sabes pai, escondi-me porque eu não tenho a tua coragem, sabes pai - em que deixei-me ficar com medo que algum polícia carregasse em mim, ou que algum dos jovens enraivecidos me tomasse por alvo. Foi então que os vi. Ele correu para ela e com um beijo encostaram-se no chão. Desligados do mundo, sabes pai?
E por isso olha, consegui, consegui a tua fotografia que precisavas para sossegar e ficar para sempre perto de mim. Nem quero saber dos prémios que recebi, nem das portas que se abriram, nem da eternidade que me encontrou com esta fotografia. Estou só aqui, no meio dos meus estendais de vidas penduradas, à tua espera. Pai...
Caro leitor que me fez este desafio,
ResponderEliminarbem sei que a ideia seria eu escrever a historia dos 2 apaixonados, mas é que eu tenho sempre uma certa resistência em seguir pelo caminho mais obvio..
De qualquer forma, se a alguém apetecer, também posso contar como aqueles dois ali foram parar..
Bonita história. Grande imaginação.
ResponderEliminarHistória de nós
ResponderEliminarEsta é uma linda e tocante história de amor!
Gostei muito.
Aproveitando a 'deixa', proponho que conte a história do meu xaile de seda.Um xaile de que não se sabe nada, nem como é o seu aspecto... :)
Ficará ao seu critério traçar-lhe o desenho e a utilidade...
Beijo
Olinda
Cara Olinda, obrigada pelo desafio! Já está a história do seu Xaile de Seda. Espero que goste!
ResponderEliminarBJ