Chegou Albertino Curto, Curto do lado minhoto dos bigodes do pai e curto de dimensao, graças às pernas de alicate que nunca cresceram muito, nem lhe permitiram aspirar a grandes voos. Albertino Curto, pequeno de nome e de comprimento, sempre foi grande em fanfarronice e ginga nas palavras. As miúdas enrolava-as como aos cigarros, rapidinho e direitinho, sem hipótese de falhar. Aos rapazes e gabarolas dava-lhes uma volta de três em pipa, com letras que nem percebiam, palavras que aspirava antes de as soltar, passando por erudito ou gingão lá à beira da ponte do Lima, onde tantos o conheceram e viram a não crescer.
O pai e a avó Cremilde agoiravam-lhe grande futuro; futuro esse que foi diminuindo à medida que não o viam crescer. Foi assim que o Albertino Curto, que seria o grande da família, passou de doutorado falador a engraxador de sapatos quando aos 18 ainda perdia mais tempo com os cigarros do que com a vinha. A avó juntou o pouco que tinha, investiu no futuro negócio da família e despejou a pesada caixa de madeira para o colo do Albertino que se sentiu mais Curto do que nunca.
Albertino encheu-se de brios. Pegou na pesada herança em vida que a avó lhe atribuíra e disse alto e bom som que ia fazer-se a estrada, que não estava para esta desconsideração pelo seu estatuto de bem posto e bem falante pimpão. Arrumou-se, mais a sua caixa, na camioneta do velho Coronel Leopoldo, que nunca ninguém descobriu, nem sequer desconfiou, onde ganhou as divisas e pediu-lhe «siga para a cidade, aquela maior de todas onde as luzes brilham mais altas e todos são grandes em tamanho e nome». O coronel encolheu os ombros e não ligou a tanta falta de tino, era a sua viagem mensal a Lisboa e toda a vila o sabia.
Foi assim que Albertino, hoje, tantos 50 anos depois, se vê a chegar mais um dia ao centro comercial, xopingue como ouve as madames dizerem pelos corredores enquanto gritam com os miúdos que cada ano fazem mais barulho e gritam mais alto que o próprio Curto, nome que lhe ficou para sempre desde que chegara a cidade maior. Levara porrada de tantos e todos, até se diminuir à sua condição de baixeza e portar-se de acordo, mas sempre com um Albertino grande de mais dentro dele que nunca o deixou voltar ao Minho e assumir o fracasso da sua desventura.
De há uns anos para cá todos os dias vê passar uma madame pesadona, de pernas e mãos largas, camisa branca aprumada e sapatinho de mocassin engraxado. Nestes tempos em que ninguém olha sequer para os sapatos para ver a vergonha em que se passeiam, foram aqueles sapatinhos rebrilhantes que começaram a prender-lhe a atenção. Os olhos daquela matrona pesadona levavam-no de volta aos tempos de grandeza, encostado à ponte de pedra, enrolando o tabaco entre os dedos, enquanto enrolava também a Rosinha das tranças pretas com quem se perdeu uma e outra vez atrás das arvores da quinta grande onde a moreninha trabalhava com os pais. Mas não devia ser esta. Ela ate já o olhara nas rugas e na cara e não o reconheceu. Se fosse ela lembrar-se-ia dos sorrisos com que se desfazia à sombra dos verbos bem falantes do grande Albertino Curto. Impossível esquecer.
Então via-se reflectido na montra em frente. Via um velho pequeno e seco, enfiado numa roupa demasiado coçada para ser ainda cinzenta, de escova e lata na mão, sentado na herança da avó. Não podia deixar de sorrir um sorriso triste e pensar para si «Eis Albertino Curto, parco em tamanho, mas sobejante em sonho e em mundo».
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