Voavas de dentro de mim e não te conseguia mais apanhar. Sentavas-te na beira de uma janela qualquer e deixava de ouvir-te. Sentia-te perto mas já não sabia onde te agarrar.
Nos véus que deixavas cair, um a um de mansinho, via o que foste e o que voltarás a ser. Via-te toda, toda tu toda, como não te querias mostrar. Olhava-te forrada no sono, aninhada em ti, enleada nos sonhos que te cobriam até aos pés e não queria mais acordar.
Perdi-me de ti na primeira vez que te entregaste a mim. Nessa derradeira primeira vez, como todas o são, em que te quebraste por inteiro para mim, só para mim, e eu fiquei sem saber como te apertar. Embalei-me nos teus gemidos e súplicas, nos teus desejos e calores dormentes, nas tuas palavras escorregadias e tremidas. Levaste-me pela mão e eu fui.
A curva dos teus sentidos não era mais do que um reflexo de mim e do que acabáramos de ser. A estrada das tuas mãos levava-me até ao fim de mim, ao principio de nós. A tua pele no meu cheiro, o teu seio na minha boca, o teu sentido de mim soltaram-se dentro do nosso fundo e fizeram-te voar até à lua mais alta no céu mais claro do mundo mais infinito.
Quebrámos os dois e encontrámo-nos de novo. Uma e outra vez como em todas que desejámos. Sempre no principio de ti e no fim de mim. E quando me acabavas e entontecido não fazia mais do que apenas ser, abrias as tuas asas de mil sons e voavas para longe de mim, perdida num canto onde não te conseguia ver.
Agora pedes-me mais e eu não tenho mais nada para dar. Na transparência do que te digo - digo-te, conto-te, provoco-te, deixo-te, quebro-te -, mostro-te que de mim ja tens tudo, já nada mais tenho para te entregar. Brotas de novo em mim, boca com boca, peito com pele, mão no meu canto e entregas o laço com que me pedes para te prender de dentro de mim, para fora de nós, do início do que fui e do que sou.
Agora sei-te sempre aqui, agora já não queres voar. Não desapareces e não te desencontro. Nós dois somos um.
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