Sentavas-te aqui à minha beira e fazias-me sonhar. Com os mundos que viste, as horas que contaste, as vidas que perdeste e em que nasceste. As tuas melhores histórias eram as que inventavas só para mim. E eu ficava sem saber se eram minhas ou tuas, se as viveste ou se as desenhaste para mim.
Via-te chegar no teu carro cor da lua nas noites de Verão, o bairro todo a encher para te ver passar, novidade única dos dias mornos encaixados na Arrábida e já preparava o meu banquinho de verga ao lado do cadeirão do Avô Velhote. A chegada do primo Óscar, para mim primo porque a minha mãe desde pequena assim o nomeou, para os restantes O Senhor Engenheiro, quebrava a facilidade do dia-a-dia naquele bairro perdido entre a serra e o mar, guiado pelo toque da hora da saída que a fábrica gritava lá em baixo e fazia-nos esquecer o pó que nos enchia a roupa e as vidas.
A tua melhor historia contava como um dia me tinhas visto espreitar-te da janela da casa dos meus pais, numa aldeia longe, quando num Verão decidiste fazer-te à vida e perder-te do ritmo compassado dos dias daqui. Mas eu sei que não era eu quem te espreitava porque eu nunca saí daqui, porque quando tu eras menino ainda nem minha mãe menina era e quando torces esse teu bigode côr do teu carro, eu vejo que não é para mim que estás a olhar mas para uma gaiata qualquer que perdeste no princípio das tuas lembranças.
Não te conhecemos mulher, filhos ou amigos. Aparecias sempre sozinho. A mãe diz que primeiro chegavas na Carreira que chegava de mercado e depois chegavas de mota e depois no carro velho que compraste ao teu primeiro patrão e depois de vinte carros depois adoptaste este comprido prateado que brilha como a lua no alto da serra nas noites quentes e que me faz corar e escovar o cabelo à pressa porque o primo Óscar acabou de chegar.
Tenho notado que te é cada vez mais difícil subir os degraus da casa da avó Matilde, a tua irmã que já não te conhece, que perdeu o sentido de si e de tudo, que antes ouvia com desdém as tuas historias na hora do calor, que dizia que metade era mentira e outra metade era inventada, essa avó que já não sabe dizer o meu nome e manda-me calar sempre que pergunto quando voltarás.
Bem sei que ganhaste nova vida na cidade, essa Lisboa que só sei de ouvi rfalar, e que custa voltar ao sitio onde começámos e onde não conseguiste sossegar. Chegaste aos dezasseis, fizeste-te à estrada e deixaste o caminho levar-te. Depois do primeiro Verão a caiar as casas do Cercal, seguiste para Espanha e conheceste aquela que te fez crescer. A Cármen de olhos rasgados e pele clara, tomou-te pela mão e mostrou-te o mundo. Viajaram de comboio pela Europa, cruzaram o Mediterrâneo nos grandes navios do pai dela, desaguaram no fim da novidade, no fim da surpresa, no fim do encantamento e Cármen fez-te desaparecer.
Mas vinhas carregado de histórias e de mundo e a Lisboa do antigamente recebeu-te de braços abertos como se te esperasse para sempre. E voltaste a este bairro azul, no encaixe que a fábrica rasgou na serra, 10 anos depois, 10 anos que foram todos os anos da tua vida, que já vai longa, já vai esperta, já vai contada em todos os Verões em que voltas para sentares o meu pai ao teu lado, agora o meu pai mais eu, e depois junta-se o Toni lá da vizinha, a Luisinha lá da ponta e quem mais por aqui passa e se queda a ouvir as tuas histórias para mim, que falam de terras perdidas, amores desencontrados e vidas felizes. E de como o mundo é aquilo que dele vivermos.
Via-te chegar no teu carro cor da lua nas noites de Verão, o bairro todo a encher para te ver passar, novidade única dos dias mornos encaixados na Arrábida e já preparava o meu banquinho de verga ao lado do cadeirão do Avô Velhote. A chegada do primo Óscar, para mim primo porque a minha mãe desde pequena assim o nomeou, para os restantes O Senhor Engenheiro, quebrava a facilidade do dia-a-dia naquele bairro perdido entre a serra e o mar, guiado pelo toque da hora da saída que a fábrica gritava lá em baixo e fazia-nos esquecer o pó que nos enchia a roupa e as vidas.
A tua melhor historia contava como um dia me tinhas visto espreitar-te da janela da casa dos meus pais, numa aldeia longe, quando num Verão decidiste fazer-te à vida e perder-te do ritmo compassado dos dias daqui. Mas eu sei que não era eu quem te espreitava porque eu nunca saí daqui, porque quando tu eras menino ainda nem minha mãe menina era e quando torces esse teu bigode côr do teu carro, eu vejo que não é para mim que estás a olhar mas para uma gaiata qualquer que perdeste no princípio das tuas lembranças.
Não te conhecemos mulher, filhos ou amigos. Aparecias sempre sozinho. A mãe diz que primeiro chegavas na Carreira que chegava de mercado e depois chegavas de mota e depois no carro velho que compraste ao teu primeiro patrão e depois de vinte carros depois adoptaste este comprido prateado que brilha como a lua no alto da serra nas noites quentes e que me faz corar e escovar o cabelo à pressa porque o primo Óscar acabou de chegar.
Tenho notado que te é cada vez mais difícil subir os degraus da casa da avó Matilde, a tua irmã que já não te conhece, que perdeu o sentido de si e de tudo, que antes ouvia com desdém as tuas historias na hora do calor, que dizia que metade era mentira e outra metade era inventada, essa avó que já não sabe dizer o meu nome e manda-me calar sempre que pergunto quando voltarás.
Bem sei que ganhaste nova vida na cidade, essa Lisboa que só sei de ouvi rfalar, e que custa voltar ao sitio onde começámos e onde não conseguiste sossegar. Chegaste aos dezasseis, fizeste-te à estrada e deixaste o caminho levar-te. Depois do primeiro Verão a caiar as casas do Cercal, seguiste para Espanha e conheceste aquela que te fez crescer. A Cármen de olhos rasgados e pele clara, tomou-te pela mão e mostrou-te o mundo. Viajaram de comboio pela Europa, cruzaram o Mediterrâneo nos grandes navios do pai dela, desaguaram no fim da novidade, no fim da surpresa, no fim do encantamento e Cármen fez-te desaparecer.
Mas vinhas carregado de histórias e de mundo e a Lisboa do antigamente recebeu-te de braços abertos como se te esperasse para sempre. E voltaste a este bairro azul, no encaixe que a fábrica rasgou na serra, 10 anos depois, 10 anos que foram todos os anos da tua vida, que já vai longa, já vai esperta, já vai contada em todos os Verões em que voltas para sentares o meu pai ao teu lado, agora o meu pai mais eu, e depois junta-se o Toni lá da vizinha, a Luisinha lá da ponta e quem mais por aqui passa e se queda a ouvir as tuas histórias para mim, que falam de terras perdidas, amores desencontrados e vidas felizes. E de como o mundo é aquilo que dele vivermos.
E eu já decidi, hoje peço-te para me levares sentada ao teu lado no carro cor da lua de Verão, pores a tua mão na minha e para me ires contando devagarinho as tuas histórias vividas inventadas até chegarmos às luzes encantadas da cidade grande.
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