Um desafio aos leitores!!

Já que umjeitomanso.blogspot.com me «anunciou» enquanto Contadora de Histórias, vamos lá pôr-me à prova! Quem se interessar, envie-me email (diazinhos@gmail.com) ou deixe comentário num dos textos, com uma palavra ou frase que me «inspire» para um próximo texto. A ver se pega e a ver se estou à altura..

sábado, 20 de agosto de 2011

Letra a letra

Ana gemia mais uma vez com o pente a correr veloz nos seus cabelos prateados. Chegava o Verão e era sempre isto. Os mergulhos gelados, mil por dia, a quentura do areal infinito de Tróia e as sestas salgadas deixavam-na sempre com o cabelo naquele rebuliço e cor malfadada. Fazia-lhe confusão que o cabelo louro se transformasse em prata, que de liso se encaracolasse e deixasse nós infidáveis. Gostava mesmo era do tom escuro da sua pele de menina catraia, escura como a do seu irmão, esse irmão que ela mal conhecia, que ia e vinha como a maré, deixando a família num desassossego.

Então a mãe passava mais uma vez o pente persistente e imponderado naqueles cabelos que já nada tinham das tranças louras do colégio e suspirava, mais um suspiro, mais um suspiro profundo, já está a pensar outra vez no Manel, já está outra vez em cuidados, ele que ainda o mês passado apareceu cá em casa, desta vez ainda nem faz tanto tempo assim mãe, ele ainda agora aqui esteve mãe. “Está calada miúda”.

E lá vem outra vez o pente, sem medos nem arrepios, arrancando milhentos fios prateados da Ana, da Aninhas das tranças louras como lhe chama o avô Tó, enquanto lhe dá mais um gelado na mercearia do Luis e responde às vizinhas que do Outro não sabe nada. O Outro dito com uma distancia de quem ja não quer saber. E a Ana, a Aninhas, sabe bem que o Outro é o irmão fugidio, o irmão que não sossega, que se tenta encontrar num terra perdida qualquer, numa montanha cheia de gelo, ou nas letras de um livro esquecido.

A miúda espreita muitas vezes atrás da porta quando já a julgam a dormir. Ouve a mãe para o pai “Ele já em miúdo era assim, fugia-nos sempre pr’á rua, ou porque chovia, ou porque fazia sol, ou porque a lua estava redonda ou porque entrava num desassossego impossível de conter. Mas depois era aquele menino de ouro, sempre o melhor da escola, as vizinhas encantadas com aquele sorriso moreno, aquele sorriso que me enchia de amor. Aquele sorriso bem aberto quando te via chegar com um livro novo na mão. O problema foram os livros António, os livros é que lhe encheram a cabeça e o peito de coisas que não é suposto um menino ter dentro dele. Fizeram-no sonhar e querer sempre mais António. Nem quando as miúdas da vizinha lhe piscavam o olho e subiam as saias, nem assim ele largava os livros. E foi quando ele começou a desaparecer-me, a chegar cada vez mais tarde, a não lhe pôr a vista em cima um e dois dias seguidos, foi aí que apareceu esta miúda dentro de mim, esta miúda de tranças louras como mais ninguém na família tem.

Esta miúda que me enche de amor e ternura quando se agarra a mim, que é a melhor do colégio, que faz um sorriso do tamanho do mundo quando chegas com mais um livro, que ja nem quer saber quando os rapazes lhe puxam as tranças, que ja se perde a olhar o mar, que me foge sempre que a lua brilha mais alto, esta miúda que eu sei que me vai desaparecer também e depois eu é que fico aqui sozinha Antonio, mesmo perdida e infinitamente sozinha, porque tu ficas fechado nesses teus livros que te fazem desaparecer e eu aqui fico sozinha à janela a contar os instantes que faltam para ver os meus meninos outra vez, sem saber quando, esses meus meninos que os teus livros me vão roubando , letra a letra, história a história, até eu já não lhes chegar.”

2 comentários:

  1. Émamiga

    Vim cá porque a Jotaémamiga mo sugeriu, o que foi mais do que excelente - foi excelentíssimo. Magnífico texto e, ainda por cima, muito bem escrito. E se eu gosto de ler coisas assim, porque também adoro escrever e ganhei sempre a minha vida a fazê-lo...

    Ora bem, espero-te na minha Travessa que então passará a ser tua também. Obrigado

    Qjs = queijinhos = beijinhos

    ResponderEliminar
  2. Caro Henrique
    Muito obrigada pelo seu tão gentil comentário. O primeirissimo nesta minha aventura «bloguística»! Ja dei um passeio bem agradável pela sua Travessa, já me fez rir com a sua viagem pelo topo do país...e como poderá ver hoje ou amanhã, até de certa forma me serviu de inspiração!
    Obrigaa e qjs para si também (frescos já agora, como eu tanto gosto)

    ResponderEliminar